domingo, 23 de agosto de 2009


Nas Serras de Cambambe
O ELDORADO PORTUGUÊS EM ANGOLA

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Há cinco séculos, no período das descobertas e conquistas, os espanhóis vasculharam a América do Sul e Central em busca do mítico Eldorado. Os portugueses, não lhes ficaram atrás e também perseguiram um mito semelhante, que se tornou lendário durante longos anos, só se perdendo essa crença nos finais do século XVIII, quando se tornou impossível sustentá-la mais. O Eldorado português era, supostamente, em Angola, a cerca de duas centenas de quilómetros de Luanda, nuns montes sobranceiros ao Cuanza, na zona onde o rio começa a libertar-se de gargantas apertadas que o fazem correr rápido, para espreguiçar-se em vales amplos, que lhe permitem alargar as margens. Este sítio, um pouco a montante da vila de Dondo, chama-se Cambambe. Como conta Miguel Anacoreta Correia, num dos textos do livro “Do Kunene a Cabinda — História e Estórias de Angola”, citando a obra de Ilídio do Amaral “O Consulado de Paulo Dias de Novais. Angola no último quartel do séc. XVI e primeiro do Séc. XVII”, esta lenda começou com um presente enviado pelo Rei do Congo a D.Manuel I: umas manilhas de prata. A oferta intrigou o monarca português, que obteve a informação de que provinham de Cambambe. As perspectivas de somar ao ouro do Brasil a prata de Angola foram, por certo, altamente motivadoras para intensificar a exploração destas terras na África Austral para além da área junto à costa atlântica. Disso mesmo — bem como de evangelizar o Rei de Angola, como já havia sido feito com o do Congo — foram incumbidos Manuel Pacheco e Baltazar de Castro, conforme reza um documento régio datado de 16 de Fevereiro de 1520. Nenhum destes exploradores teve sorte na sua missão e Baltazar de Castro acabou mesmo por ser capturado pelos Ngola, que o mantiveram seis anos em cativeiro, até ao soltarem em 1526. Durante o longo período que permaneceu aprisionado, Castro nunca deixou de procurar obter informações sobre essa imensa riqueza, que eram as minas de prata de Cambambe. Numa carta enviada do Congo ao Rei D.João III, após ter sido libertado, Castro dá conta da decepção dos seus esforços. Os reis foram-se sucedendo uns aos outros, transmitindo em herança esse segredo, que continuava por desvendar. Nomeado por D.Sebastião primeiro Capitão e Governador do Reino de Angola, a 19 de Setembro de 1571, Paulo Dias de Novais recebeu do rei a mesma missão secreta que já suscitara viagens exploratórias anteriores, assim como a promessa de muitas honrarias e benesses caso encontrasse as tão ambicionadas minas de prata. Foi, certamente, este o principal impulsionador da exploração do curso do rio Cuanza, iniciando por Paulo Dias de Novais a partir de 1579, quando começou a implantar os primeiros presídios — como se chamava então aos postos militares que assinalavam o avanço da conquista do território e a respectiva colonização. Apesar das minas estarem destinadas ao monopólio real, isso não impediu Novais de doar aos Jesuítas uma das minas de prata que fossem encontradas, como pagamento da colaboração dos padres nesta missão de exploração rumo ao interior de Angola subindo pelo rio Cuanza, segundo carta assinada pelo governador a 26 de Agosto de 1581. Paulo Dias de Novais morreu, em Maio de 1585, sem nunca ter chegado a Cambambe e sem ter encontrado as minas. Essa conquista acabou por ser protagonizada por um dos seus sucessores, Manuel Cerveira Pereira, em 1603, e o mais curioso é que então a busca destas minas foi suspensa por ordem de Filipe II de Espanha — Portugal tinha perdido a soberania, que só seria recuperada a 1 de Dezembro de 1640 —, deveras preocupado com os encargos dessa missão que não havia maneira de ser bem sucedida. Assim, o Governador Cerveira Pereira limitou-se a implantar um presídio em Cambambe, instalado no cimo de um cerro, à beira de um precipício que dominava um troço do rio Cuanza e todas as terras em redor, bem próximo de uma garganta que estrangulava o rio e onde as águas se despenhavam numa queda, acelerando pelo vale abaixo. Terminava aí o sector navegável do Cuanza, para os barcos vindos desde o Atlântico e aí parou por muitos anos a exploração do interior do Reino de Angola. Mas, as minas não caíram no esquecimento e os Jesuítas encarregaram-se de, ocasionalmente, como o provam alguns documentos, de espalhar boatos sobre a imensa riqueza dos montes de Cambambe, de que se chegou mesmo a dizer que a prata era tanta que quando o sol incidida nestes montes o brilho era tão ofuscante que podia cegar. Talvez por isso, nunca ninguém abriu os olhos pois, realmente, as minas jamais foram encontradas. A grande riqueza dos montes de Cambambe tardou séculos a ser entendida, mas foi reconhecida nos anos 50 do século passado, quando a garganta apertada por onde escorriam as águas do Cuanza foi escolhida para implantar uma barragem. Inaugurada em 1963, a barragem de Cambambe permitiu criar uma central que ainda hoje é vital para fornecer energia eléctrica à gigantesca Luanda. A instalação da barragem e da central hidroeléctrica renovou a importância desse cerro onde o Governador Manuel Cerveira Pereira tinha fixado um presídio, que evoluiu para uma ampla fortaleza amuralhada, abençoada por Nossa Senhora do Rosário, a quem foi dedicada a igreja local. Todo o cerro foi transformado numa fortaleza poderosa, onde se criou uma pequena cidade, meio condomínio, meio aquartelamento militar, para albergar quem trabalha na barragem e na central, bem como quem a defende. Mas, a velha fortaleza, por onde se entra passando sob um arco encimado pela coroa real portuguesa, é hoje uma memória arruinada do passado, esquecida num recanto. Os canhões de ferro que durante séculos mantiveram os intrusos à distancia estão dispersos pelo chão, meio engolidos pelo mato, tão abandonados como os blindados de combate — vulgo tanques de guerra — que ganham ferrugem e raízes, literalmente, pois crescem árvores por baixo de dois deles, a uns metros da muralha de pedra, ela própria tornada obsoleta por uma poderosa e ameaçadora vedação dupla de arame electrificado. Ali, só entra quem é convidado. Eu tive essa sorte!

Onde era suposto encontrar montes de prata a brilhar à luz do sol nunca ninguém viu mais do que montes verdejantes. A fortuna de Cambambe tardou em ser descoberta. Afinal, era a sua garganta do rio Cuanza, perfeita para uma barragem para produzir energia eléctrica. Ainda hoje é daí que segue a electricidade que abastece Luanda.

A entrada na velha fortaleza de Cambambe. A pedra com o escudo de Portugal e a coroa real continua polida e branca. Resistiu mais do que tudo o resto...

Um canhão abandonado no chão, rodeado por mato e, em baixo, um dos velhos carros de combate blindados que no passado recente foram usados para assegurar a protecção da barragem e das suas instalações.


Notável exemplar de arquitectura moderna do final dos anos 50. A Pousada de Cambambe, estrategicamente construída por cima da falésia, num dos locais onde se desfruta da melhor paisagem desde o cimo do monte. Corredores e salões continuam iguais ao dia da inauguração.

O jardim da Pousada de Cambambe, com árvores de grande sombra implantados nos canteiros de formato geométrico, admiravelmente bem cuidados.

17 comentários:

  1. Olá Alexandre!

    Eldorado… Qual cidade de majestosas construções de ouro e tesouros inimagináveis qual quê? Quais minas de prata? Não viam os espanhóis e os portugueses a riqueza dessas terras sem ser essa de cor dourada ou de brilho ofuscante? Não posso comentar muito sobre detalhes dos tempos de colonização porque sou um pouco leiga nesta matéria, mas essa sede de riqueza era irracional. Aliás, todo o ouro que os espanhóis levaram dos países da América Latina reflecte o sangue que derramaram em vão (o mesmo se aplica aos colonizadores portugueses). Faz parte da história, já se sabe, mas foram épocas de uma crueldade impressionante…

    Abraço,

    Silvia

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  2. Olá SM,

    Apesar dos portugueses também não terem sido uns anjinhos (por exemplo, conquistamos Tanger sem qualquer esforço, porque a população ao ver as caravelas aproximar fugiu toda, tal a nossa fama de sanguinários!...), os espanhóis conseguiram ser muito piores, pois extreminaram várias civilizações, nomeadamente na América do Sul e Central. É importante reter um aspecto: parte desta febre pela prata que conto nesta história também teve o cunho espanhol, o mesmo que depois travou essa loucura. Quem diria que embora sem prata, as terras de Angola escondiam tesouros muito mais valiosos?...

    Um beijo,

    Alex

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  3. Sempre trazendo belas e cativantes histórias.
    A fortaleza merecia recuperacao... pode ser que sim.
    Kandandu

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  4. Caro Namibiano,

    Claro que merecia recuperação. Trata-se de um lugar histórico da mais elevada relevância para Angola. Até pelo significado que esta história recorda. Mas também compreendo que por enquanto ainda há questões mais prioritárias para resolver em Angola e tanto quanto percebi, o simples facto da velha fortaleza continuar a ser defendida, por estar integrada num perímetro de acesso restrito e de elevada segurança, garante que não se degradará mais, nem que as suas pedras desaparecerão para outras construções.

    Um abraço,

    Alexandre Correia

    PS - Já seleccionei três "premiados". Já não faltam todos...

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  5. É sempre bom conhecermos um pouco mais da história, dessa terra que tem tanta história que não conhecemos.Nessa época mal os portugues imaginavam o El dorado que era Angola, mas não de prata.
    Continua amigo a contar-nos mais dessa Angola, para recordar-mos ou aprendermos mais e mais.
    bjks

    Lena

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  6. Olá Lena,

    Obrigado pelo estímulo. Não tarda, parto para outras viagens, aqui neste blog, e espero que a Lena continue também a viajar comigo, porque o mundo não se esgota em Angola e a minha cabeça está cheia de histórias vividas à volta do mundo.

    Entretanto, recomendo-lhe que visite o blog Angola é Bela (se meter esta frase num motor de busca vai logo lá dar), porque é obrigatório para quem tem essa paixão e saudade. E como brinde pela visita, vou contar-lhe um segredo: descobri no Angola é Bela uma ligação para um blog só sobre o Cubal! Esse, sim, tenho a certeza que não vai perder...

    Um beijo,

    Alexandre

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  7. Prometo que vou continuar a viajar contigo.

    Obrigada pela dica do Angola é bela, agora que me habituaste a mexer nestas coisas não quero outra vida ahahaha
    bjs Lena

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  8. Olá Alexandre,
    vim retribuir a visita e agradecer as suas palavras. Palavras de conforto e incentivo nunca são demais.Agradeço também o elogio.Acredite que nestas alturas deixo de gostar de mim o que não é nada bom.
    Assim que entrei no seu blog fiquei encantada e deve imaginar porquê, penso eu. Sou uma Angolana saudosa e amo aquela terra com todas as forças do meu ser.
    Percorri ávidamente textos e fotos como faço sempre que vejo algo que me traga lembranças que nunca se apagaram apesar de vir ainda adolescente. O meu contacto com amigos que lá estão é diário e sorvo tudo o que lhe diz respeito. O meu sonho maior é voltar porque nem nunca de lá teria saído.
    As raízes são profundas já que os meus avós maternos foram para lá quase bébés e eram donos do antigo Hotel Luanda que nem existe já. A familia Casanova ligada à aviação, ainda hoje é conhecida de norte a sul.
    Sou de Luanda, da freguesia da Sagrada Familia, bem como toda a familia materna e paterna.
    Já sou sua seguidora e apesar dos pesares tive que encomendar o livro "Do Kunene a Cabinda".
    Também o linkei no meu espaço porque não posso perder nada do que tenha para contar apesar de ter lido que seguirá para outros países Africanos o que também me interessa naturalmente.
    Obrigada mais uma vez e beijinhos, Ana Casanova

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  9. Olá Ana!

    Seja bem vinda. Deixou-me duplamente contente. Primeiro por se ter sentido confortada. Depois, por ter apreciado os conteúdos deste blog. Continue a vijar por aqui e não deixe de manifestar-me os seus comentários nem deixe de divulgar estas histórias. Há muita gente que gostaria de entrar nesta "viagem"...

    Um beijo,

    Alexandre

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  10. Quiçá um dia meus olhos poderão ver de perto o que suas lentes registram agora. Te sigo Alexandre, para que também de alguma forma eu contigo viaje!!! Lindas fotos, lindas lembranças...

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  11. Olá Aline,

    Angola é, de facto, um país com uma beleza especial. Primeiro, porque é enorme e de norte a sul a paisagem tem variações notáveis. Depois, porque é um caso raro do ponto de vista de arquitectura moderna dos anos 50 e 60, os períodos de maior desenvolvimento na era colonial, mantendo ainda hoje em condições muito interessantes edifícios que são um regalo para a vista e que, para muita gente, evocam uma viagem ao passado. Bem, a minha época é mais recente, mas eu próprio me encanto com essa viagem na máquina do tempo. E espero continuar a tê-la como "passageira" nesta e noutras viagens, por aqui.

    Um beijo,

    Alexandre Correia

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  12. ola; foi uma grande viagem esta noite aqui com voces. as imagens, as palavras foi uma autentica terapia para mim neste momento. obrigado a todos que participaram e continuam a faze_lo .ja vai a mais de 35 anos sem poder falar deste lindo pais que conheci desde os meus 9 meses ate idada de 15 anos .sei que as minhas raizes estam ai em angola .as recordaçoes tenho_as no fondo no meu mental. e com grande imoçao que faço descobrir a meus filhos este lindo pais com bastantte orgulho espero brevemente ter fotos de meu irmao que habita em luanda neste momento beijos de Paris

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  13. Olá Paris,

    De Angola para Paris é uma grande distância e, sem dúvida, uma diferença abismal a todos os níveis. Agrada-me saber que esta "viagem" pel'asviagensdealex reavivou memórias com mais de 35 anos e que os textos e as imagens que aqui estão publicadas permitiram mostrar aos seus filhos a terra onde tem as suas raízes. Obrigado pela visita e volte sempre!

    Um beijo de Lisboa para Paris,

    Alexandre Correia

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  14. Manuel Agostinho Cambambe dias dos Santos20 de junho de 2010 às 11:33

    Fico muito orgulhoso por saber que o meu país é muito rico em recurços,e mais feliz ainda por ser chamado de"Cambambe",um nome que carrega bastante,estória,beleza e significação...

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  15. Ela será revitalizada e restaurada...Aguardem os próximos tempos.

    .

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  16. Caro Anónimo,

    Não precisamos aguardar os próximos tempos. Essa terra maravilhosa já está sendo revitalizada e restaurada.

    Abraço,

    Alexandre Correia

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  17. Bom dia,

    Um «amigo» da internet deu-me a dica deste «post» sobre Cambambe, e achei que o meu comentário podia contribuir para esta peça: o meu nome é José Luís Possolo de Saldanha, e a curiosidade reside no facto de que virtualmente toda a arquitectura moderna que se vê em Cambambe (incluindo a foto da Pousada que se vê numa das fotos) foi projectada pelo meu avô, Arquitecto Luís Possolo, no final dos anos '50. Trabalhava na época no Gabinete de Urbanização do Ultramar - mas este trabalho foi-lhe encomendado pela Sonefe a título particular.

    Saudações!

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