domingo, 17 de maio de 2009



Subir junto à costa desde Luanda ao Soyo
O DIA MAIS LONGO

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Quando nos deitamos bem tarde na noite e acordamos também de noite, das duas uma: ou mal dormimos, ou dormimos demasiado. Infelizmente, é o primeiro caso que classifica a noite de chegada a Luanda. Instalado no Grande Hotel Universo, no coração da baixa da capital angolana, numa perpendicular à marginal junto ao quarteirão do belo edifício do Banco Nacional de Angola, antes de me deitar não resisti a dar uma volta a pé para esticar as pernas e digerir o jantar, nem a muitos dedos de conversa no átrio do hotel, magnificamente decorado com três telas do célebre pintor Neves e Sousa. O resultado foi adormecer para lá das duas da madrugada e levantar da cama às quatro e meia, pois às cinco horas saía o minibus que me levava às novas instalações do importador da Nissan — a TDA — para receber a viatura disponibilizada para esta edição 2009 do Raid T.T. Kwanza Sul. Voltou a calhar uma Nissan Hardbody de cabina dupla grená, com 54 quilómetros marcados no odómetro, e uma decoração que me surpreendeu, ostentando a toda a largura das portas um enorme logótipo da revista Todo Terreno.
Cerca das 21 horas, quem tivesse visto esta pick-up dificilmente diria que tinha saído do stand na mesma manhã, bem cedinho. A carroçaria estava coberta de lama e o conta-quilómetros já preenchera três dígitos, somando aos 54 iniciais mais 509 quilómetros, tantos quantos percorri de Luanda ao Soyo, naquele que terá sido o dia mais longo da expedição. Terá? Muito provavelmente sim, até porque mais nenhuma tirada prevê uma extensão tão comprida e, para além disso, as restantes que serão acima das três centenas de quilómetros irão percorrer estradas e caminhos mais rolantes.
Deixei Luanda pela novíssima auto-estrada circular que permite contornar toda a cidade e promete aliviar muitíssimo o trânsito constantemente congestionado da capital. Mas a rapidez inicial cedo deu lugar a um engarrafamento arreliador, avançando vagarosamente até Kifangondo, onde não falhámos uma breve visita ao monumento erguido em memória dos heróis da batalha ali travada em 1975, que travou a tomada de Luanda por parte dos guerrilheiros da FNLA, uma das várias formações que ambicionava controlar o pais, então a passar pelo complexo processo que conduziu à independência, a 11 de Novembro. O trânsito melhorou assim que apontámos para norte e tomámos a direcção da Barra do Dande, mas o pequeno-almoço que teoricamente teríamos tomado nesta povoação piscatória pelas sete da manhã acabou por ser servido quando já passava das nove horas. Daí em diante, o atraso foi aumentando substancialmente, até porque o asfalto terminou pouco mais acima da Barra do Dande, continuando rumo ao norte por uma pista de terra que só muito episodicamente permitiu engrenar a quinta velocidade, mas que deu uso intenso à terceira e à segunda, constantemente solicitadas para reduzir e progredir entre os buracões da estrada. Ao principio da tarde, quando toda a caravana parou à entrada de N’Zeto para um simples, mas bem oportuno, almoço, a viagem estava sensivelmente a meio, mas as dificuldades maiores ainda estavam para chegar. O almoço e a visita à povoação, guiados pela memória de um participante que por lá passou uma temporada no início dos anos 1970, custou duas horas deliciosas, que não compensaram o massacre que foi a parte final da viagem até ao Soyo. Enquanto houve luz diurna, pelo menos dava para ver antecipadamente os buracos mais traiçoeiros e perigosos para as mecânicas, mas depois de escurecer, o ritmo de andamento baixou. Entretanto, o pó desapareceu para dar lugar à lama, que forrava o chão com cada vez mais intensidade e frequência à medida que a caravana se aproximou do Soyo. Milagrosamente, nunca se atascou nenhum dos 18 veículos — 14 Nissan Pickup Hardbody, três Nissan Patrol, Patrol Pickup e Patrol GR, e um Toyota Prado da TV Zimbo dotado com emissor por satélite, apto a colocar no ar reportagens da expedição feitas em directo. O que não quer dizer que não se tenham registado incidentes, porque os houve: o “velho” Patrol GR de Milu Tonga — ex-Vice-Governador do Kwanza Sul e um apaixonado por esta expedição —, não resistiu ao esforço necessário para superar os lamaçais e chegou ao Soyo a reboque, a braços com problemas na embraiagem do carro, o único que tomou parte em todas as edições e que, afinal, acusou como eu o cansaço de 14 horas de viagem.


O primeiro briefing antes da partida.


Asfalto novinho nos primeiros kms.


Pistas demolidoras durante quase 400 kms.


Nissan Hardbody com a decoração mais bonita .


A chegada a N'Zeto. Ainda faltavam 209 kms para terminar a etapa.


Passagem pela praia em N'Zeto.


As peixeiras de N'Zeto.


Desfile pela rua principal, em N'Zeto.


A ponte sobre as águas furiosas do rio Lucunga.

5 comentários:

  1. Pelos vistos isso é um fartote a navegar...
    Boa viagem e parabéns pelo blogue, Alex.

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  2. Fátima
    Aqui estou em busca de um bocadinho da aventura que voçês estão a viver.
    Ao avaliar pelas fotos fantásticas e picadas demolidoras a 1ª etapa foi em grande!
    Parabéns ao Pedro C. pela decoração dos Nissan...
    Boa viagem com muito TT,Alex.

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  3. Isto é tudo muito bonito, mas continuo à espera do meu convite para uma aventura destas! Para a seguir, quem sabe, poder fazer um novo blogue chamado "CANICHE VIAJANTE"... até já estou a imaginar o sucesso que teria!

    Boa viagem, Tio Alexandre!

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  4. "Participei" no Raid do ano pssado com um modesto poema sobre a minha cidade (Tombua) hoje uma amiga mandou-me o link, sem a sua devida permissao roubei algumas fotos do Sul, as buganvilias vao ilustrar um poema recente publicado no meu blog, farei alusao aos créditos do seu blog e foto, claro e aproveito a fazer um link também. Obrigado por partilhar as belezas de Angola com os internautas. Muito origado pela visita e estas belissimas fotos.
    Um grande abraco
    Namibiano Ferreira

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  5. Olá, Alexandre. Tenho consultado diariamente o teu Blog para ficar mais perto de vós e vivenciar virtualmente as aventuras do 4º Raid TT do Kwanza Sul, mas verifico que paraste no Sonho (Soyo). É assim tão grande esse sonho que não se traduz por palavras nem fotos ou...as surpresas são tantas que nem dão para as descrever :)? Vá lá, continua a deliciar-nos com as tuas excelentes fotos e magníficas reportagens. Não tarda muito estás no Sumbe e depois só cá nos darás conta dos acontecimentos. Um abraço cheio de saudades e..."inveja". Toca a partilhar as sensações e as emoções sempre únicas em cada expedição realizada nessa terra maravilhosa.

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