domingo, 17 de maio de 2009



Regresso a Angola
VOO DT651 PARA LUANDA
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]


Embarcar a meio da manhã no voo DT651 com destino a Luanda foi o ponto de arranque para mais esta viagem de regresso a Angola, juntando-me aos participantes no 4º Raid T.T. Kwanza Sul, que decorre de 15 a 28 de Maio e propõe percorrer 3313 quilómetros por um itinerário até Soyo, Cabinda, M’Banza Congo, N’Zeto, Uíge, Kalandula, Cabuta, Muxima e Sumbe. Este itinerário sobe desde a capital junto à costa, para depois de alcançada a província mais a norte do território angolano descer pelo interior até Sumbe, após o que volta a subir ao longo do Atlântico para se concluir com a ligação final até Luanda.
E se há um país onde sempre gostei de regressar, Angola é um deles. Tão grande que para o conhecer de ponta a ponta é preciso dispor de muito, muito tempo. Mas isso não chega. É também necessário dispor de recursos avultados, pois não só é bastante caro viajar em Angola, como é fundamental dispor de um veículo de todo-o-terreno para que possamos não ter limites à exploração de cada região; ora alugar localmente um T.T. não direi que é impossível, mas posso garantir que não anda longe disso. A fórmula mágica para ultrapassar todas as dificuldades logísticas e conseguir partir à descoberta de Angola com um orçamento fixo acessível — um valor na ordem dos três mil euros para duas semanas de viagem em regime de “tudo incluído” é aquilo a que normalmente designamos por um “preço de amigo” — é integrar a caravana do Raid T.T. Kwanza Sul, iniciativa conjunta do Governo da Província do Kwanza Sul e da Câmara Municipal de Almada. O esforço conjugado destas duas entidades permite vencer toda uma série de barreiras que um turista acidental terá imensa dificuldade em ultrapassar, seja por uma questão orçamental, seja por uma questão de organização, pois a preparação de uma viagem assim requer conhecimentos, tempo e paciência, assim como recursos logísticos que não estão ao alcance de qualquer um. A começar pelas viaturas. Este evento consegue isso tudo, mas todos os milagres têm o seu patrono e neste caso é um precioso leque de patrocinadores que tornam possível que já tenham sido realizadas três expedições e que a quarta esteja neste momento a decorrer. Sem preconceitos, aqui fica a devida citação dessa lista de patrocinadores, em jeito de reconhecimento e homenagem. Começa pela TDA-Teixeira Duarte Automóveis, importador da Nissan em Angola, que fornece uma extensa frota de pick-up’s Nissan Hardboby rigorosamente novas, a estrear, seguindo-se a TAAG-Linhas Aéreas de Angola, que transporta desde Lisboa todos os participantes portugueses, a Unitel, um operador de comunicações móveis, a Rede Expresso24-Banco de Negócios Internacional, e a Ensa, a principal companhia de seguros angolana. A estes cinco patrocinadores principais junta-se a contribuição de mais sete: a Sonangol, a maior companhia angolana, a Africonsult-Consultores de Engenharia, o BPC-Banco Popular de Crédito e o Grande Hotel Universo, assim como as três cervejeiras angolanas, as célebres Cuca e Nocal, e a Eka, mais recente no mercado. A revista Todo Terreno é um dos “media partner” do Raid T.T. Kwanza Sul e coube-me, pela terceira vez, ser o enviado especial a Angola para cobrir esta expedição.
Voltei a fazer a viagem a bordo de um confortável Boeing 747-400 que tem a particularidade rara de não ostentar qualquer decoração, exibindo apenas a matricula de registo — obrigatória. Desta feita o voo DT651 para Luanda não foi cheio, como é costume; nem de passageiros, pois sobraram lugares vazios suficientes para encontrar um desses e sentar-me mais à larga, nem de carga, pois o aparelho descolou muito mais cedo, não tendo rolado muito mais do que metade da pista. Com uma previsão de bom tempo em rota, saímos por cima de Camarate e rodámos para sul logo em cima de Santa Iria de Azóia, sobrevoando já bem alto a ponte Vasco da Gama, para depois espreitarmos num só golpe de vista o estuário dos rios Tejo e Sado, identificando claramente também a foz dos rios Mira (em Vila Nova de Mil Fontes) e Arade (em Portimão), bem como os cabos Espichel, Sines, Sardão e São Vicente. Após meia hora de voo já voávamos sobre o Atlântico e pela janela deu para ver o tráfego marítimo intenso à boca do Mediterrâneo, com dezenas de navios a entrar e sair, deixando atrás de si uma esteira de espuma branca que mesmo a cerca de 11 mil metros — a nossa altitude de cruzeiro — não deixava dúvidas. Mudando para um lugar do lado esquerdo do avião, a costa marroquina desenhava-se ali em baixo e uns minutos depois eram as manchas urbanas de Salé e Rabat que se destacavam, seguindo-se a enorme área metropolitana de Casablanca. É impressionante constatar que o minarete da majestosa Mesquita Hassam II, construída junto ao mar, ao lado do porto desta cidade, é visível mesmo a esta altitude! A nossa rota reentrou sobre terra ainda em Marrocos, algures entre Essaouira e Agadir, permitindo admirar os cumes do Atlas salpicados com neve, e depois todo o esplendor do Sahara. Num par de horas a voar sobre o grande deserto percorrermos o mesmo itinerário que as antigas caravanas de dromedários demoravam cerca de 100 dias a cumprir para estabelecer a ligação entre Guelmin e Tombouctou. Considerada uma das “portas do Sahara”, Guelmin fica cerca de 180 km a sul de Agadir e continua a acolher o maior mercado de dromedários de todo o Sahara. Por sua vez, Tombouctou, é a mais mítica das cidades que nasceram no Sahara, implantada na margem direita do não menos estranho rio Níger, que nasce no meio das areias do Ténéré e serpenteia pelo deserto na sua longa marcha ao encontro do Atlântico, no Golfo da Guiné. Neste dia, da janela do avião consegui ver Tombouctou como raras vezes, mas nem o ter-me imaginado lá em baixo a percorrer as pistas do “deserto dos desertos”, como José Megre tinha por hábito chamar ao Ténéré, me convidou a fechar os olhos. Preferi continuar a desfrutar esta viagem real, que logo a seguir entrou na região do Sahel, a barreira semi-desértica a sul do Sahara. Com quatro horas de voo, o deserto desapareceu e deu lugar a uma mancha cada vez mais carregada de verde e pontilhada por povoações. A África das grandes florestas verdejantes desfilou lá em baixo durante pouco mais de uma hora, até que as nuvens, que nunca tinha surgido enquanto atravessamos o deserto, começaram a dominar a paisagem, na mesma altura em que voltámos a voar por cima do Atlântico. Foi sobre o mar que começámos a aproximação a Luanda, com o dia a desaparecer. Tínhamos voado precisamente sete horas e o comandante anunciara a aterragem quando voltou a contactar os passageiros para nos dar conta de uma mudança de planos, que nos manteve durante meia hora a descrever círculos sobre os arredores da capital angolana. Chegámos num daqueles momentos em que o tráfego aéreo é intenso e tivemos de esperar que o movimento no aeroporto descongestionasse para podermos aterrar. Quando o nosso 747-400 se imobilizou mesmo diante do terminal internacional do Aeroporto de Luanda, e as portas abriram, mesmo que estivesse a dormir — que não estava — creio que teria adivinhado onde estava. Foi só sentir aquele calor húmido a entrar pelo avião para não ter dúvidas. Estava de regresso a Angola.


Levantar voo de Lisboa.


Rodar à direita sobre a Póvoa de Santa Iria.


Por cima do Montijo, com Almada e Lisboa ao fundo.


Sobre as praias da Galé até Sines.


Sair de Portugal por cima de Portimão.


Os tons de azul do Atlântico e do céu intercalados por nuvens.


O sul de Marrocos visto do céu.


Mais de duas horas sobre o Sahara.


As areias do Ténéré. O deserto dos desertos.

3 comentários:

  1. Um abraço muito forte acompanha-vos e mitiga a distância que me separa dessa fabulosa expedição, irrepetível pelas razões que o Alexandre tão bem exprime nas suas sempre dotadas reportagens. Aproveitem e saboreiem ao pormenor todos os momentos únicos que sei irem viver.
    Boa continuação de viagem.

    ResponderEliminar
  2. Cá estou a picar o blogue e a lembrar-me de como era embarcar para Angola no cais da Rocha - no INFANTE DOM HENRIQUE, ou partir de Alcântara - no rival PRÍNCIPE PERFEITO. Essas viagens acabaram em 1975...

    ResponderEliminar
  3. Aproveitem o momento e essas paisagens unicas, de meter inveja a qualquer amante do tt.

    Boa viagem.

    http://tt-ribeiro.blogspot.com/

    ResponderEliminar