No caminho de Uíge às Cataratas de Calandula...
ESCALA EM NEGAGE. ALÔ AB3?...
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]
No final dos anos 50, o dispositivo militar em Angola era relativamente discreto e não dispunha, verdadeiramente, do suporte de uma força aérea. Foi nessa altura que se generalizaram os processos de independência em África que tornaram livres grande parte dos países até então considerados colónias de potências europeias, deixando o velho Império Português repentinamente isolado, como se de um momento para o outro Portugal tivesse ficado preso ao passado, ao mesmo tempo que os novos países à volta e os que se desligaram das colónias pareciam dar um enorme passo adiante, em direcção ao futuro. Imediatamente Portugal começou a sentir uma enorme pressão internacional, com particular incidência dos Estados Unidos da América, no sentido de adoptar medidas tendentes a uma descolonização. A recusa do Governo português — nessa altura ainda liderado por António de Oliveira Salazar — quanto a seguir uma política desta natureza levou os peritos militares a prever desde logo o que acabaria por acontecer: o despoletar de um conflito armado, que em Angola deflagrou a meio de Março de 1961. Antes que isso sucedesse, as chefias militares portuguesas começaram a desenvolver um plano para criar estruturas e reforçar as existentes, de modo a estender a presença a todos os lugares e a preparar-se para enfrentar o despertar dos movimentos de libertação armados. É neste quadro em que 1957 se desloca a Angola uma comissão mandatada pelo Estado-Maior da Força Aérea com a missão de definir a localização para implantar uma série de infra-estruturas para a aviação militar, desde algumas grandes bases até pequenos aeródromos de apoio. A província de Uíge era uma das que seria contemplada com os vários níveis de infra-estruturas aeronáuticas e para a base mais importante foi feito o reconhecimento de uma possível localização nos arredores de Carmona — a actual cidade de Uíge. Todavia, as autoridades da vizinha vila de Negage, cerca de meia centena de quilómetros a leste da capital da província, estavam atentos e ambicionavam atrair para junto de si essa base principal. Como tal, deslocaram-se a Luanda para apresentar uma proposta alternativa à Força Aérea e conseguiram receber uma visita de inspecção, que resultou na escolha de Negage para implantar o Aeródromo Base nº 3, conforme foi determinado por uma portaria publicada no Diário do Governo no último dia de Outubro de 1960. Curiosamente, nessa altura já tinha sido iniciados os trabalhos de construção da futura AB3 — como se tornaria conhecida a base — que viria a ser oficialmente inaugurada a 4 de Junho de 1962, muito embora tivesse começado a operar quase um ano e meio antes: os primeiros aviões, dois Auster provenientes de Carmona e um Nordatlas vindo de Luanda, aterraram em Negage na manhã de 7 de Fevereiro de 1961, quando estavam apenas compactados os primeiros mil metros da futura pista, ainda por pavimentar, tal como a generalidade das estruturas e edifícios de apoio; por exemplo, o centro de comunicações da base foi provisoriamente instalado na cozinha de uma casa de habitação, entre as diversas que tinham sido arrendadas para albergar o pessoal e os serviços durante a fase de construção. O gabinete do comandante ocupava a sala de jantar dessa moradia... Contudo, a partir do momento em que chegaram os aviões, a vida desta pacata vila perdida nos confins do Uíge mudou profundamente. Negage deixou de ser apenas um pontinho irrelevante no mapa de Angola para tornar-se numa escala importante da aviação militar, mantendo-se activa até hoje.
O mais incrível da história do AB 3 é que uma semana após a cerimónia oficiosa de inauguração, devidamente festejada com um almoço no Grande Hotel de Negage, quando começaram os ataques às fazendas de café espalhadas pelo Uíge — que deram início às hostilidades que ficariam conhecidas por Guerra Colonial — esta base foi fundamental para a evacuação dos colonos resgatados das fazendas atacadas. Mesmo longe de acabado e de ter condições de plena operacionalidade, o AB 3 passou a receber um movimento crescente, num vai-vem de Dakota's e Nordatlas que recolheram refugiados e procediam à sua posterior evacuação para Luanda. Ainda mais incrível é que então ninguém diria que a paz somente voltaria a Angola em 2002. E com a paz, o velho AB 3 perdeu a importância que teve durante as guerras — colonial e civil — e os reflexos não tardaram a fazer-se sentir na vila. Actualmente, a base aérea ainda lá está, mas já não é activa como dantes e Negage parece ter voltado a adormecer, como antes da chegada dos primeiros aviões, no início de 1961.
Quando visitei Negage, no início da sexta etapa do Raid T.T. Kwanza Sul 2009, apenas passei à porta do AB 3, mas entrei na vila e percorri-a de uma ponta à outra. Estava a meio uma tranquila manhã de sábado, soalheira e quente, a inspirar preguiça. Nem os cafés tinham gente, quanto mais as ruas. No centro da vila, as casas continuam iguais ao que eram há mais de quatro décadas. Nunca lá tinha estado, é certo, mas naquela meia hora senti-me a voltar ao passado, a uma época em que nem eu tinha nascido...
No final dos anos 50, o dispositivo militar em Angola era relativamente discreto e não dispunha, verdadeiramente, do suporte de uma força aérea. Foi nessa altura que se generalizaram os processos de independência em África que tornaram livres grande parte dos países até então considerados colónias de potências europeias, deixando o velho Império Português repentinamente isolado, como se de um momento para o outro Portugal tivesse ficado preso ao passado, ao mesmo tempo que os novos países à volta e os que se desligaram das colónias pareciam dar um enorme passo adiante, em direcção ao futuro. Imediatamente Portugal começou a sentir uma enorme pressão internacional, com particular incidência dos Estados Unidos da América, no sentido de adoptar medidas tendentes a uma descolonização. A recusa do Governo português — nessa altura ainda liderado por António de Oliveira Salazar — quanto a seguir uma política desta natureza levou os peritos militares a prever desde logo o que acabaria por acontecer: o despoletar de um conflito armado, que em Angola deflagrou a meio de Março de 1961. Antes que isso sucedesse, as chefias militares portuguesas começaram a desenvolver um plano para criar estruturas e reforçar as existentes, de modo a estender a presença a todos os lugares e a preparar-se para enfrentar o despertar dos movimentos de libertação armados. É neste quadro em que 1957 se desloca a Angola uma comissão mandatada pelo Estado-Maior da Força Aérea com a missão de definir a localização para implantar uma série de infra-estruturas para a aviação militar, desde algumas grandes bases até pequenos aeródromos de apoio. A província de Uíge era uma das que seria contemplada com os vários níveis de infra-estruturas aeronáuticas e para a base mais importante foi feito o reconhecimento de uma possível localização nos arredores de Carmona — a actual cidade de Uíge. Todavia, as autoridades da vizinha vila de Negage, cerca de meia centena de quilómetros a leste da capital da província, estavam atentos e ambicionavam atrair para junto de si essa base principal. Como tal, deslocaram-se a Luanda para apresentar uma proposta alternativa à Força Aérea e conseguiram receber uma visita de inspecção, que resultou na escolha de Negage para implantar o Aeródromo Base nº 3, conforme foi determinado por uma portaria publicada no Diário do Governo no último dia de Outubro de 1960. Curiosamente, nessa altura já tinha sido iniciados os trabalhos de construção da futura AB3 — como se tornaria conhecida a base — que viria a ser oficialmente inaugurada a 4 de Junho de 1962, muito embora tivesse começado a operar quase um ano e meio antes: os primeiros aviões, dois Auster provenientes de Carmona e um Nordatlas vindo de Luanda, aterraram em Negage na manhã de 7 de Fevereiro de 1961, quando estavam apenas compactados os primeiros mil metros da futura pista, ainda por pavimentar, tal como a generalidade das estruturas e edifícios de apoio; por exemplo, o centro de comunicações da base foi provisoriamente instalado na cozinha de uma casa de habitação, entre as diversas que tinham sido arrendadas para albergar o pessoal e os serviços durante a fase de construção. O gabinete do comandante ocupava a sala de jantar dessa moradia... Contudo, a partir do momento em que chegaram os aviões, a vida desta pacata vila perdida nos confins do Uíge mudou profundamente. Negage deixou de ser apenas um pontinho irrelevante no mapa de Angola para tornar-se numa escala importante da aviação militar, mantendo-se activa até hoje.
O mais incrível da história do AB 3 é que uma semana após a cerimónia oficiosa de inauguração, devidamente festejada com um almoço no Grande Hotel de Negage, quando começaram os ataques às fazendas de café espalhadas pelo Uíge — que deram início às hostilidades que ficariam conhecidas por Guerra Colonial — esta base foi fundamental para a evacuação dos colonos resgatados das fazendas atacadas. Mesmo longe de acabado e de ter condições de plena operacionalidade, o AB 3 passou a receber um movimento crescente, num vai-vem de Dakota's e Nordatlas que recolheram refugiados e procediam à sua posterior evacuação para Luanda. Ainda mais incrível é que então ninguém diria que a paz somente voltaria a Angola em 2002. E com a paz, o velho AB 3 perdeu a importância que teve durante as guerras — colonial e civil — e os reflexos não tardaram a fazer-se sentir na vila. Actualmente, a base aérea ainda lá está, mas já não é activa como dantes e Negage parece ter voltado a adormecer, como antes da chegada dos primeiros aviões, no início de 1961.
Quando visitei Negage, no início da sexta etapa do Raid T.T. Kwanza Sul 2009, apenas passei à porta do AB 3, mas entrei na vila e percorri-a de uma ponta à outra. Estava a meio uma tranquila manhã de sábado, soalheira e quente, a inspirar preguiça. Nem os cafés tinham gente, quanto mais as ruas. No centro da vila, as casas continuam iguais ao que eram há mais de quatro décadas. Nunca lá tinha estado, é certo, mas naquela meia hora senti-me a voltar ao passado, a uma época em que nem eu tinha nascido...
Discretamente rodeada por um jardim bem cuidado, uma das moradias mais finas, a meio de uma das artérias principais. Trata-se da residência do administrador municipal de Negage.
Noutros tempos, em que os meios de diversão eram escassos, o velho cinema desempenhava um papel fundamental na animação de quem vivia em Negage. Agora, continua em funcionamento, mas lá, como um pouco por todo o mundo, "ir ao cinema" já não tem o mesmo significado. A televisão e os video-clubes encarregaram-se de desfazer o encanto de uma sessão de cinema...
Bem no centro, o edifício de quatro pisos que se vê do lado esquerdo é uma das poucas excepções desta cidade, onde a maioria das construções são térreas ou, quando muito, elevam-se até ao primeiro andar, como, aliás, documentam as imagens.
Entroncamento à saída da cidade. A padaria ainda continua a cumprir a sua função, mas as instalações do Banco Nacional de Angola já há muito que foram desactivadas e o velho edifício dos anos 50 encontra-se parcialmente abandonado.
Depois de ler esta última reportagem dei comigo a fazer inúmeras perguntas ao meu irmão pelo messenger sobre a passagem do nosso pai pela Guerra do Ultramar (ou Colonial, ou de Libertação como lhe queiram chamar). Quando era mais jovem tive sempre curiosidade pelos detalhes sobre as viagens do meu pai por África sem pensar no motivo da respectiva, mas pelo entusiasmo e o brilho nos seus olhos quando nos comentava algumas experiências em Moçambique, Angola e Guiné Bissau. Sei que foi como voluntário por volta dos seus 26 anos, e esteve como responsável das refeições numa embarcação durante um mês mantendo-se os restantes meses com trabalho administrativo até cumprir três anos. Foi 2º Sargento Miliciano. Reservado e de poucas palavras, nunca relatou algum susto que tivesse vivenciado durante essas viagens, mas as poucas passagens que descrevia fazia-o com uma “espécie de saudade”. Sente-se que esses lugares o marcaram profundamente e recordo-me quando, finalmente nos juntamos para ir de férias até Cabo verde, e deixou escapar um desejo escondido: “não queria morrer sem voltar a Moçambique”. Claro que não estou a considerar a importância e consequências de uma guerra que, como foi dito, "tornaram livres grande parte dos países até então considerados colónias de potências europeias". Simplesmente despertou em mim a vontade de conhecer essa experiência do meu pai e confirmar algumas histórias que a minha avó me chegou a contar era eu bem miúda. Apesar de saber que lhes aperta o coração estar longe (e já são quase 5 anos que vou a Portugal de visita) herdei dos meus pais esta vontade de viajar e conhecer o mundo. É bom ouvir a minha mãe dizer “estás a fazer exactamente o que gostaria de ter feito”. É bom regressar a casa. Queria aproveitar esta vinda ao México para viajar também pela América do Sul e por ter amigos espalhados pelo Brasil, Chile e Argentina não haveria problemas em escolher um destino onde pudesse juntar o gosto por viajar e o reencontrar e abraçar um amigo. No entanto, a América do Sul é “outro mundo” e tenho Peru no pensamento. Mas voltando à realidade, tenho trabalho por cumprir até Outubro e logo se vê a possibilidade de uma viagem destas antes de regressar às “europas”.
ResponderEliminarContinuamos a encontrar-nos! :)
Um abraço,
Silvia
Meu caro Alexandre, que saudades dos nossos tempos...e que bom esta maravilha Internética que nos permite estar juntos de novo...
ResponderEliminarobrigado pela tua visita ao meu bloge e parabéns por este teu que desperta sonhos e desejos de evasão...
abraço amigo
helder
Uma espreitadela, duas espreitadelas, três espreitadelas...bem, vou espreitar muito este blog...
ResponderEliminarSaudações!
Olá SM,
ResponderEliminarNunca vivi em África, mas de todos os continentes, é a este que eu mais gosto de regressar. E isso apesar de África ser hoje um continente verdadeiramente negro, com tudo o que de mau tem a palavra negro, desde sempre associada a coisas terríveis e mortíferas, como a peste. Quando o seu pai por lá passou, mesmo no quadro de guerra que então encontrou nas "Províncias Ultramarinas" africanas, como então se designavam, África era muito diferente do que é hoje e, por mais incrível que possa parecer, profundamente mais pacífica. No entanto, muita da essência de África permanece e torna o continente numa irresistível atracção para quem já foi contaminado por essas terras a perder de vista, pelas suas gentes, pela enorme descontração, pelo cheiro da terra molhada, pelo sol a desaparecer no horizonte como uma bola de fogo cor de laranja a descer por trás de uma mata de embondeiros ou apenas de uma acácia perdida no capim da savana. Espero que o seu pai possa cumprir essa vontade de regressar a Moçambique, como eu próprio espero ir lá, pois de toda essa zona no sul de África é o único país onde nunca estive. Também nunca estive no Perú e fico cheio de curiosidade de ler as suas histórias quando lá for. Mas não regresse às europas sem dar uma volta pelo resto da América do Sul. Acredite que vale a pena. E quando estiver no Brasil, vai sentir um pouco do encanto que tanto prende quem um dia descobre Áfica.
Um beijo,
Alexandre Correia
PS - Hélder de Sousa e Bé, os meus últimos "comentadores", sabem bem o que digo deste encanto por África. Sejam bem vindos aqui e continuem a aparecer!
Gostei da energia ao dizer “fico cheio de curiosidade de ler as suas histórias quando lá for” (Perú). Deu-me a sensação de já ter data e bilhete para a próxima aventura pela América do Sul! Vontade essa não me falta… Em relação a esse “encanto especial” que nos prende a certos lugares, foi exactamente no Brasil onde o vivenciei pela primeira vez. Guardo com imenso carinho tudo o que vivi nessa viagem e tudo o que aprendi. Foi a minha primeira grande viagem, e resultou de um incontrolável impulso interior que me levou à decisão de ir ao Brasil visitar uma amiga, sem espaço para qualquer tipo de negação! Recordo de sorriso no rosto essa espécie de “notificação” em casa, porque o fiz com a total convicção de que nada nem ninguém me iria impedir de concretizar essa vontade. Mas na verdade se não tivesse o apoio da minha mãe, as minhas limitadas poupanças permitiriam com alguma sorte uma viagem de ida, e na altura "convinha" regressar para acabar a licenciatura etc... Simplesmente sentia que tinha de ir. Tudo correu sem qualquer dificuldade, e a aventura de fazer um voo transatlântico era uma emoção. Cheguei ao aeroporto de Fortaleza e tinha a minha amiga à espera. A partir daí foram só "sorrisos". Conhecer um povo tão amistoso e tão simples foi a maior valia que trouxe dessa viagem. Os sabores, cores e cheiros deliciosamente diferentes e contagiantes foi algo que me marcou profundamente. Desde os sumos diários de acerola e as pequenas viagens pelas redondezas com um Seat Ibiza alugado sem direcção assitida, houve ainda a ida ao hospital público para tirar um dente do siso que decidiu dar problemas na pior altura possível (repleto de peripécias de dar arrepios), caminhadas inesquecíveis pelas praias, paisagens magníficas durante quilómetros de dunas mescladas com vegetação e mar, entre muitos outros momentos únicos. A experiência estava a ser tão boa que dei comigo a telefonar para casa avisando que adiaria o meu regresso. Tive a minha mãe a chorar compulsivamente ao telefone dizendo-me que regressasse, e a racionalidade do meu pai que me apoiou e apenas perguntou: “Estás bem filha?”, finalizando sem grandes rodeios “Então tem cuidado e que tudo continue a correr bem!”. Guardo momentos realmente muito especiais que vivi intensamente pela idade que tinha e pela realidade que me "absorbia" em Portugal. Deveria eternizá-los. Dificilmente regressarei este ano ao Brasil, mas sem dúvida voltarei.
ResponderEliminarUm abraço,
Silvia
PS. E obrigada por, mesmo sem saber, me fazer “viajar” por memórias que ocasionalmente se deixam adormecer…
Continuamos a encontrar-nos!
Olá SM!
ResponderEliminarFico contente por saber que os meus textos reavivaram a sua memória e a fizeram viajar na máquina do tempo. E claro que conto continuar a despertar mais sonhos e a alimentar outros nest'asviagensdealex!
Um beijo,
Alexandre Correia
Pedimos aos subscritores deste blog, com fotos de enorme interesse e qualidade, que entrem em contacto com: zauevua@hotmail.com (http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=32395338)(http://bcac2877.blogspot.com/) pois gostariamos de pedir algumas informações sobre Zau Evua, e Tomboco
ResponderEliminarAgradecidos
B Gonçalves