Visita ao Passado das Memórias de Maria
LÁGRIMAS EM CAMABATELA
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]
Perdida num planalto do interior, a cerca de 250 quilómetros de Luanda, a vila de Camabatela — sede do município de Ambaca, nos limites da província do Kwanza Norte, encostado à do Uíge — é uma terra igual a tantas outras que cruzam as estradas em Angola e quebram a sensação de isolamento tão presente nos itinerários mais longos e remotos. Mas não, Camabatela não é uma terra qualquer. É a terra que marcou a juventude da minha amiga Maria, que tanto dela falou que até eu, quando lá cheguei pela primeira vez, achei que já a conhecia. A vila desenvolveu-se e viveu próspera durante apenas duas décadas, contadas entre meados dos anos 50 e 70 do século passado. Rodeada por grandes fazendas de cafezais, esta povoação tornou-se num importante entreposto comercial, onde o café se negociava entre produtores e intermediários, mobilizando grandes romarias de gente, automóveis e camiões nos dias de mercado; as camionetas chegavam vazias de Luanda e cheias das fazendas, carregadas de sacas de sarapilheira a rebentar pelas costuras com grãos de robusta — a qualidade mais produzida nas plantações do nordeste angolano — e horas depois isso invertia-se quando partiam pelo mesmo caminho, não sem antes se fazer fila à porta de uma das duas dependências bancárias, estrategicamente instaladas uma em frente à outra, em esquinas da larga avenida principal, diante da igreja. Era nessa altura de grande riqueza e movimentação que Maria, uma das mais animadas participantes no 4º Raid T.T. Kwanza Sul, passava as suas férias em Camabatela. Uns dias antes de lá irmos, confessou-me que depois de passar por Negage teria de adiantar-se à caravana, pois este regresso, após tantos anos desde a última visita, não só precisava de tempo, como também de alguma tranquilidade, que não teria se chegasse ao mesmo tempo que a dúzia e meia de Nissan Hardbody e Patrol, com cerca de meia centena de expedicionários. Maria não conseguiu adiantar-se e quando estacionou a sua pick-up no fim da avenida principal da vila, mesmo ao lado da singular igreja — com um estilo que lembra a igreja da Mina de São Domingos, no Alentejo profundo, e evidenciando uma recuperação recente que lhe deu um colorido novo à fachada — havia já tanta gente por ali que parecia que o padre ia repetir a missa dominical, terminada pouco antes. O calor do meio dia fazia-se sentir e a sombra das árvores em frente à igreja foram rapidamente ocupadas; Maria nunca se tinha apercebido dessas sombras, pois as árvores só foram plantadas no decurso dos anos 60, precisamente no período em que ali gozou algumas das "férias grandes", como era costume chamar-se às férias no final de cada ano escolar. Maria não se cansou de contar-nos tudo o que se recordava de Camabatela, indicando o que era ali e acolá, identificando o que continuava na mesma, como o cinema, o clube, a esplanada no centro do jardim — a sofrer uma profunda obra de requalificação em Junho de 2009, 52 anos depois de ter sido criado —, o velho posto da Fina, agora transformado numa "bomba de gasolina" da Sonangol, claro, e até o restaurante onde ia com o tio, o PIF-PAF. De sorriso aberto, como sempre, Maria parecia ter regressado à sua juventude, como se ao voltar a Camabatela tivesse entrado na máquina do tempo. De repente, desatou num pranto e as lágrimas escorreram-lhe abundantes pela face. Estava na hora de continuarmos esta demorada viagem através de Angola e a chamada do líder da caravana fê-la despertar para a realidade...
A antiga dependência do Banco Nacional de Angola, em ruínas. Trata-se, contudo de uma excepção, pois a maioria dos edifícios da avenida principal de Camabatela — essencialmente moradias de um ou dois pisos — continua a uso.
A fachada do cinema de Camabatela e, ao lado esquerdo, o clube local. Foram ambos construídos em 1957 e resistiram bem a este meio século, tão conturbado em terras angolanas.
Na esquina das traseiras de um dos quarteirões da avenida principal, o PIF-PAF era e continua a ser um ponto de encontro privilegiado em Camabatela, mantendo a sua função de restaurante e snack-bar, assim como de hotel, com quartos no primeiro andar.
Olá Alexandre,
ResponderEliminarOs seus posts estão recheados de informações, história e curiosidades de Angola que desconhecia. E já vivo por cá há mais de dois anos!
São os efeitos de viver em Luanda pois aqui também se pode muito bem aplicar aquela frase célebre: "Angola é Luanda e o resto é paisagem".
Se bem que eu gosto muito de visitar e saber coisas sobre as províncias embora não o faça com a regularidade que desejava. Quem sabe um dia tenho oportunidade de participar num Raid TT Kwanza Sul...
Parece-me doce a Maria...como a Maria Bolacha.
ResponderEliminarCaro PCS,
ResponderEliminarObrigado pela simpatia dos comentários. Não sei se é por uma questão de formação, ou de deformação, mas como jornalista procuro ir sempre cada vez mais longe, investigando, estabelecendo contactos, confirmando o mais possível toda a informação que recolho e certificando-me do que é real ou ficção, por forma a poder julgar com seriedade e a informar com rigor. É bonito, não é? Mas dá trabalho, claro. São horas e horas, às vezes dias a fio gastos para conseguir decifrar tudo o que vi e então entender as coisas como elas são... ou foram. E há ainda outra regra no meu trabalho: não perco tempo a falar das "más notícias", porque dessas estamos todos fartos há muito tempo. Neste caso concreto do blog, abstenho-me de comentar os sítios que não valem a pena. Prefiro alimentar sonhos que despertar pesadelos. Acho que compreende. O Raid T.T. Kwanza Sul tem dado uma boleia nesta descoberta de Angola, mas embora por este blog não pareça (é resultado de ter começado com esta enorme viagem, com tanto para contar...), o mundo é muito grande e as minhas viagens não páram.
Abraço,
Alexandre Correia
PS - Como diz a Bé, de facto, a Maria é doce como a bolacha!
Caro Alexandre
ResponderEliminarRetribuindo a visita aos meus blogues aqui estou! Para além de duas ou três paragens no aeroporto de Luanda... nunca estive em Angola, mas o que aqui vi deu-me uma idéia mais simpática acerca do País.
Parabéns! Vou continuar a seguir.
Um abraço
João
Maria teu lindo nome
ResponderEliminarserve para tudo hje em dia
quando uma criança tem fome
come bolacha Maria
Brincadeira mesmo, caro Alexandre
Se essa Maria, a das lágrimas é de Camabatela, percebe a brincadeira e aceita um abraço do tamanho de Ambaca inteira do Cesar Sequeira Estrela.
Parabens alexeandre pela concretização de tantas aventuras.
Caro Cesar,
ResponderEliminarTem toda a razao: Maria alimenta muitas criancas por todo o lado. A bolacha, claro! Parabens! Aprecio bom humor.
Abraco,
Alexandre