Depois de dois dias a banana-pão crua e laranjas...
OS SACRIFÍCIOS QUE VALEM
UM BITOQUE ÀS TRÊS DA MANHÃ
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]
Passava das três horas da madrugada quando cheguei ao Uíge e fui o segundo a estacionar no parque do Hotel Salala. Ao ver as horas, rapidamente fiz as contas e concluí que tinha arrancado de N'Zeto exactamente 44 horas antes, depois de ter tomado o pequeno almoço na modesta esplanada situada na ponta sul da vila, mesmo no entroncamento para o aeródromo. Ao longo destas 44 horas, quantas vezes me arrependi de não ter preparado um farnel para o caminho? Acreditem que foram muitas. Sempre que me arrepiava a comer uma laranja azeda, de tão verde ainda, ou a mastigar uma banana-pão crua, pensava numa sanduíche de fiambre como aquela que trinquei deliciosamente antes de sair de N'Zeto. Mas agora que já tinha chegado ao Uíge, estava na hora de receber a recompensa. Pedro Cristina, o responsável pela caravana, prometera que fosse a que hora fosse que chegassemos ao Uíge, estaria à nossa espera um verdadeiro jantar. E não mentiu! Na recepção, a jovem que me entregou a chave do quarto anunciou, como se fosse a coisa mais normal, que "a sala de jantar abre dentro de momentos". Ainda bem que não estava aberta, porque não sei se teria resistido a ir directo para lá ao invés, como fiz, de subir até ao quarto e tomar um duche, só descendo já a cheirar a lavado (e a Terre de Hermès, que o olfacto também estava a pedir alimento...) e com a sensação de estar mais leve, ainda que não propriamente por ter emagrecido. Quatro horas antes, na paragem que fizémos na vila de Toto, um pedaço de frango acabado de sair do churrasco estimulara o apetite, mas não chegara para retirar a fome acumulada em dois dias. Quando o empregado do restaurante do hotel me disse que "para além do que está ainda no bufete, estamos a preparar neste momento bitoques", nem queria acreditar. Passava das três da manhã e esperar mais uns minutos para poder comer um belo bife com batatas fritas acabados de fritar era um sacrifício que valia a pena. Nem toquei nas travessas do bufete e esperei pacientemente, mas aqueles minutos pareceram-me uma eternidade...
À saída de Quimaria acabaram-se as tréguas. Os sulcos profundos que rasgavam o caminho logo após a povoação impediam a passagem das pickups. A solução foi passar pela berma, o mais encostados que podíamos de um bananal, guiados pelas indicações de uma brigada de voluntários locais, que acompanhou esta caravana durante alguns quilómetros, caminhando à frente das viaturas ou, sempre que o piso permitia rolar mais rapidamente, sentados sobre a caixa de carga.
Pior do que ficar uma pickup atolada em lama era ficarem duas, ou até três plantadas no mesmo sítio. Aconteceu algumas vezes, as suficientes para que todos os participantes nesta expedição tivessem terminado a viagem graduados num nível elevado em termos de práticas de resgate de veículos atascados. E também um pouco mais experientes na condução fora da estrada, embora neste aspecto o nível de preparação dos condutores fosse muito diversificado; a verdade é que nem sempre a culpa foi da lama...
Abrir caminho no mato, a golpes de catana e de enxada, foi um ritual que se tornou tão frequente quanto indispensável no longo itinerário de N'Zeto para o Uíge. Sem a preciosa ajuda das populações que fomos encontrando pelo caminho não teríamos conseguido superar inúmeros obstáculos. No próximo ano, pá, enxada e cintas de reboque vão ser equipamento obrigatório das Nissan Hardbody preparadas para o Raid T.T. Kwanza Sul. Adivinhe lá porquê...
As tuas viagens abrem-me sempre o apetite, não sei porquê!
ResponderEliminarDesde já me ofereço como voluntária para abrir caminho à catanada na próxima expedição!!!
ResponderEliminarAquela refeição foi um verdadeiro Manjar dos Deuses! E o alojamento? um verdadeiro 5 estrelas de luxo se compararmos com os dias anteriores...
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