segunda-feira, 25 de maio de 2009


Ponte aérea para Cabinda.


Excursão a Cabinda
PASSEIO ENTRE AS FRONTEIRAS DOS CONGOS

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Depois da enorme etapa desde Luanda ao Soyo, seguiram-se três dias de puro descanso para todos os participantes no Raid T.T. Kwanza Sul 2009, passados em Cabinda. Não era para ter sido assim, pois até ao último momento a organização desenvolveu todos os esforços para disponibilizar uma barcaça que pudesse transportar as Nissan Pickup Hardbody entre as duas cidades, mas assim que se perdeu a esperança de fazermos um pequeno “cruzeiro” desde o estuário do rio Zaire até à costa atlântica de Cabinda, imediatamente avançou o “plano B”: uma ponte aérea que mobilizou três aviões de nove a doze lugares, que em apenas quinze minutos estabeleceram a ligação de Soyo a Cabinda. Esta solução de recurso implicou mudar significativamente o programa, pois as Hardbody foram substituídas por um “magnífico” Tata de 54 lugares sentados — mais uma vintena em pé — cujo raio de acção estava, naturalmente, condicionado às estradas asfaltadas. Por outras palavras, durante três dias disse adeus ao todo-o-terreno e senti-me um perfeito excursionista, acompanhando o grupo de um lado para o outro do território de Cabinda, num passeio que decorreu, literalmente, entre as fronteiras com os dois Congos — a República do Congo, com capital em Brazaville, e a República Democrática do Congo, ex-Zaire, com capital em Kinshasa, uma em frente à outra, separadas apenas pelas águas do rio Zaire.
O programa da primeira destas três jornadas devia ser consagrado à navegação e ao embarque e desembarque das viaturas, operações que requeriam seguir as marés, mas em cima da hora não foi possível encontrar uma forma de preencher o tempo extra. Ganhei assim uma inesperada tarde livre, que só não foi passada na piscina do Hotel Por do Sol porque quando pensei nisso já não cabia dentro de água, tantos que eram os banhistas que aproveitaram o Domingo para confraternizar ruidosamente na dita. Uma caminhada pela marginal, nas imediações do hotel, ocupou algum tempo. Escrever e rever as imagens registadas também. Mas continuava a sobrar muito tempo e não resisti a fazer uma visita à cozinha do hotel, onde a Chefe Marta ficou encantada com a minha proposta de enriquecer a ementa do jantar confeccionando eu próprio uns crepes de lagosta. Trata-se de um prato particularmente desejado por alguns veteranos do Raid T.T. Kwanza Sul, que já na expedição anterior, de Luanda ao Cunene, muito suspiraram por degustar crepes de lagosta. Para que esta experiência tivesse sido um sucesso, teria sido necessário dispor de uma frigideira própria para crepes ou, em alternativa, com revestimento anti-aderente, que permitisse virar os crepes para fritá-los dos dois lados sem se desfazerem. Boa parte do preparado dos crepes foi gasto inutilmente a experimentar frigideiras umas atrás das outras, até que a Marta me trouxe uma pequena frigideira — a única ante-aderente que o hotel dispunha — própria para estrelar ovos, que deu para fazer uns quinze crepes, que foram mais ou menos partilhados pelos 39 comensais. Se não tivesse provado o creme de lagosta com alguns dos crepes que se desfizeram, ainda na cozinha, tinha-me contentado com meia dose. Soube bem, mas soube a pouco. Portanto, tratei logo de agendar nova visita à cozinha, que resultou numa ementa completa, para o almoço do terceiro dia, antes de repetir a ponte aérea de regresso ao Soyo. Neste caso, recomendei à cozinheira que comprasse chocolate para cozinhar e com as cinco barras que me arranjou fiz três bolos de chocolate que deixaram alguns apreciadores a babar-se, mais uma grande tigela de mousse de chocolate, que não deu para muitos provarem. E como os crepes de lagosta tinham sido tão bem aceites, mas tão difíceis de confeccionar, repeti o creme, mas apliquei-o numa lasanha, em camadas alternadas com espinafres salteados e regados por natas frescas. Quem provou não hesitou em considerar esta lasanha como uma referencia, a repetir sempre que possível; mas não haja falsas esperanças, porque desfazer quatro gordas lagostas para guarnecer um creme onde cozeram as folhas de lasanha é quase que proibitivo. Em Lisboa, um “pratinho” destes não custaria menos de 50 euros por cabeça, doseado com parcimónia... Isto não foi tudo. Uma refeição completa exige também um prato de carne e fiz uma guisado de vaca, à boa maneira portuguesa, que deixou os meus companheiros de viagem muito agradavelmente surpreendidos. E ainda mais ficaram quando, no fim do almoço, descobriram onde eu tinha passado a manhã inteira e a fazer o quê.
Pelo meio destas visitas à cozinha, ainda tive tempo para seguir na excursão através de Cabina e pude mesmo pôr um pé no Congo, ao visitar o posto fronteiriço de Massabi. A uma trintena de quilómetros de Ponta Negra, a mais importante cidade portuária do antigo Congo Francês, a fronteira de Massabi é a mais movimentada das várias passagens entre Cabinda e os dois Congos, por onde circulam diariamente para cima de uma centena de camiões pesados e muitíssimo mais viaturas ligeiras. Tudo se negoceia de um lado e do outro da fronteira, ora nos mercados montados junto aos postos, ora pela mão dos vendedores ambulantes que circulam por ali. Pode-se comprar desde uma mobília de sala completa a peixe seco, de DVD’s com os últimos êxitos musicais — que nos asseguram ser originais e não cópias chinesas, como que para justificar os caracteres chineses que exibiam nas capas — a máquinas eléctricas de aparar a barba, como me propôs um vendedor com evidente sentido de oportunidade, passando por diversos estilos de vestuário, calçado, adereços, quinquilharias e mercearias. Um verdadeiro centro comercial a céu aberto, ou protegido por toscas barracas de madeira e toldos esburacados. Fora do programa das visitas ficou a excursão até à floresta do Maiombe, onde abundam árvores com mais de 50 metros de altura de espécies raras como o Pau-Preto, Ébano, Sândalo Africano, Pau-Raro e Pau-Ferro. E claro, o famoso Pau de Cabinda, que os conhecedores e outros mentirosos asseguram ter efeitos notáveis na performance sexual masculina, não faltando quem jure conhecer alguém que experimentou e nunca mais quis outra coisa.


Sobrevoando o Estuário do Rio Zaire.


Uma das avenidas principais de Cabinda.


Os Jardim dos Papas, na marginal de Cabinda.


O Padrão português em Simulanbuco.


Praia de Landana. Vários quilómetros de areal.


Massabi, no posto fronteiriço com a República do Congo.


Floresta densa. Cabinda é rica em petróleo e madeiras preciosas.


Regresso ao Soyo, por cima da República Democrática do Congo.

domingo, 17 de maio de 2009



Subir junto à costa desde Luanda ao Soyo
O DIA MAIS LONGO

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Quando nos deitamos bem tarde na noite e acordamos também de noite, das duas uma: ou mal dormimos, ou dormimos demasiado. Infelizmente, é o primeiro caso que classifica a noite de chegada a Luanda. Instalado no Grande Hotel Universo, no coração da baixa da capital angolana, numa perpendicular à marginal junto ao quarteirão do belo edifício do Banco Nacional de Angola, antes de me deitar não resisti a dar uma volta a pé para esticar as pernas e digerir o jantar, nem a muitos dedos de conversa no átrio do hotel, magnificamente decorado com três telas do célebre pintor Neves e Sousa. O resultado foi adormecer para lá das duas da madrugada e levantar da cama às quatro e meia, pois às cinco horas saía o minibus que me levava às novas instalações do importador da Nissan — a TDA — para receber a viatura disponibilizada para esta edição 2009 do Raid T.T. Kwanza Sul. Voltou a calhar uma Nissan Hardbody de cabina dupla grená, com 54 quilómetros marcados no odómetro, e uma decoração que me surpreendeu, ostentando a toda a largura das portas um enorme logótipo da revista Todo Terreno.
Cerca das 21 horas, quem tivesse visto esta pick-up dificilmente diria que tinha saído do stand na mesma manhã, bem cedinho. A carroçaria estava coberta de lama e o conta-quilómetros já preenchera três dígitos, somando aos 54 iniciais mais 509 quilómetros, tantos quantos percorri de Luanda ao Soyo, naquele que terá sido o dia mais longo da expedição. Terá? Muito provavelmente sim, até porque mais nenhuma tirada prevê uma extensão tão comprida e, para além disso, as restantes que serão acima das três centenas de quilómetros irão percorrer estradas e caminhos mais rolantes.
Deixei Luanda pela novíssima auto-estrada circular que permite contornar toda a cidade e promete aliviar muitíssimo o trânsito constantemente congestionado da capital. Mas a rapidez inicial cedo deu lugar a um engarrafamento arreliador, avançando vagarosamente até Kifangondo, onde não falhámos uma breve visita ao monumento erguido em memória dos heróis da batalha ali travada em 1975, que travou a tomada de Luanda por parte dos guerrilheiros da FNLA, uma das várias formações que ambicionava controlar o pais, então a passar pelo complexo processo que conduziu à independência, a 11 de Novembro. O trânsito melhorou assim que apontámos para norte e tomámos a direcção da Barra do Dande, mas o pequeno-almoço que teoricamente teríamos tomado nesta povoação piscatória pelas sete da manhã acabou por ser servido quando já passava das nove horas. Daí em diante, o atraso foi aumentando substancialmente, até porque o asfalto terminou pouco mais acima da Barra do Dande, continuando rumo ao norte por uma pista de terra que só muito episodicamente permitiu engrenar a quinta velocidade, mas que deu uso intenso à terceira e à segunda, constantemente solicitadas para reduzir e progredir entre os buracões da estrada. Ao principio da tarde, quando toda a caravana parou à entrada de N’Zeto para um simples, mas bem oportuno, almoço, a viagem estava sensivelmente a meio, mas as dificuldades maiores ainda estavam para chegar. O almoço e a visita à povoação, guiados pela memória de um participante que por lá passou uma temporada no início dos anos 1970, custou duas horas deliciosas, que não compensaram o massacre que foi a parte final da viagem até ao Soyo. Enquanto houve luz diurna, pelo menos dava para ver antecipadamente os buracos mais traiçoeiros e perigosos para as mecânicas, mas depois de escurecer, o ritmo de andamento baixou. Entretanto, o pó desapareceu para dar lugar à lama, que forrava o chão com cada vez mais intensidade e frequência à medida que a caravana se aproximou do Soyo. Milagrosamente, nunca se atascou nenhum dos 18 veículos — 14 Nissan Pickup Hardbody, três Nissan Patrol, Patrol Pickup e Patrol GR, e um Toyota Prado da TV Zimbo dotado com emissor por satélite, apto a colocar no ar reportagens da expedição feitas em directo. O que não quer dizer que não se tenham registado incidentes, porque os houve: o “velho” Patrol GR de Milu Tonga — ex-Vice-Governador do Kwanza Sul e um apaixonado por esta expedição —, não resistiu ao esforço necessário para superar os lamaçais e chegou ao Soyo a reboque, a braços com problemas na embraiagem do carro, o único que tomou parte em todas as edições e que, afinal, acusou como eu o cansaço de 14 horas de viagem.


O primeiro briefing antes da partida.


Asfalto novinho nos primeiros kms.


Pistas demolidoras durante quase 400 kms.


Nissan Hardbody com a decoração mais bonita .


A chegada a N'Zeto. Ainda faltavam 209 kms para terminar a etapa.


Passagem pela praia em N'Zeto.


As peixeiras de N'Zeto.


Desfile pela rua principal, em N'Zeto.


A ponte sobre as águas furiosas do rio Lucunga.


Regresso a Angola
VOO DT651 PARA LUANDA
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]


Embarcar a meio da manhã no voo DT651 com destino a Luanda foi o ponto de arranque para mais esta viagem de regresso a Angola, juntando-me aos participantes no 4º Raid T.T. Kwanza Sul, que decorre de 15 a 28 de Maio e propõe percorrer 3313 quilómetros por um itinerário até Soyo, Cabinda, M’Banza Congo, N’Zeto, Uíge, Kalandula, Cabuta, Muxima e Sumbe. Este itinerário sobe desde a capital junto à costa, para depois de alcançada a província mais a norte do território angolano descer pelo interior até Sumbe, após o que volta a subir ao longo do Atlântico para se concluir com a ligação final até Luanda.
E se há um país onde sempre gostei de regressar, Angola é um deles. Tão grande que para o conhecer de ponta a ponta é preciso dispor de muito, muito tempo. Mas isso não chega. É também necessário dispor de recursos avultados, pois não só é bastante caro viajar em Angola, como é fundamental dispor de um veículo de todo-o-terreno para que possamos não ter limites à exploração de cada região; ora alugar localmente um T.T. não direi que é impossível, mas posso garantir que não anda longe disso. A fórmula mágica para ultrapassar todas as dificuldades logísticas e conseguir partir à descoberta de Angola com um orçamento fixo acessível — um valor na ordem dos três mil euros para duas semanas de viagem em regime de “tudo incluído” é aquilo a que normalmente designamos por um “preço de amigo” — é integrar a caravana do Raid T.T. Kwanza Sul, iniciativa conjunta do Governo da Província do Kwanza Sul e da Câmara Municipal de Almada. O esforço conjugado destas duas entidades permite vencer toda uma série de barreiras que um turista acidental terá imensa dificuldade em ultrapassar, seja por uma questão orçamental, seja por uma questão de organização, pois a preparação de uma viagem assim requer conhecimentos, tempo e paciência, assim como recursos logísticos que não estão ao alcance de qualquer um. A começar pelas viaturas. Este evento consegue isso tudo, mas todos os milagres têm o seu patrono e neste caso é um precioso leque de patrocinadores que tornam possível que já tenham sido realizadas três expedições e que a quarta esteja neste momento a decorrer. Sem preconceitos, aqui fica a devida citação dessa lista de patrocinadores, em jeito de reconhecimento e homenagem. Começa pela TDA-Teixeira Duarte Automóveis, importador da Nissan em Angola, que fornece uma extensa frota de pick-up’s Nissan Hardboby rigorosamente novas, a estrear, seguindo-se a TAAG-Linhas Aéreas de Angola, que transporta desde Lisboa todos os participantes portugueses, a Unitel, um operador de comunicações móveis, a Rede Expresso24-Banco de Negócios Internacional, e a Ensa, a principal companhia de seguros angolana. A estes cinco patrocinadores principais junta-se a contribuição de mais sete: a Sonangol, a maior companhia angolana, a Africonsult-Consultores de Engenharia, o BPC-Banco Popular de Crédito e o Grande Hotel Universo, assim como as três cervejeiras angolanas, as célebres Cuca e Nocal, e a Eka, mais recente no mercado. A revista Todo Terreno é um dos “media partner” do Raid T.T. Kwanza Sul e coube-me, pela terceira vez, ser o enviado especial a Angola para cobrir esta expedição.
Voltei a fazer a viagem a bordo de um confortável Boeing 747-400 que tem a particularidade rara de não ostentar qualquer decoração, exibindo apenas a matricula de registo — obrigatória. Desta feita o voo DT651 para Luanda não foi cheio, como é costume; nem de passageiros, pois sobraram lugares vazios suficientes para encontrar um desses e sentar-me mais à larga, nem de carga, pois o aparelho descolou muito mais cedo, não tendo rolado muito mais do que metade da pista. Com uma previsão de bom tempo em rota, saímos por cima de Camarate e rodámos para sul logo em cima de Santa Iria de Azóia, sobrevoando já bem alto a ponte Vasco da Gama, para depois espreitarmos num só golpe de vista o estuário dos rios Tejo e Sado, identificando claramente também a foz dos rios Mira (em Vila Nova de Mil Fontes) e Arade (em Portimão), bem como os cabos Espichel, Sines, Sardão e São Vicente. Após meia hora de voo já voávamos sobre o Atlântico e pela janela deu para ver o tráfego marítimo intenso à boca do Mediterrâneo, com dezenas de navios a entrar e sair, deixando atrás de si uma esteira de espuma branca que mesmo a cerca de 11 mil metros — a nossa altitude de cruzeiro — não deixava dúvidas. Mudando para um lugar do lado esquerdo do avião, a costa marroquina desenhava-se ali em baixo e uns minutos depois eram as manchas urbanas de Salé e Rabat que se destacavam, seguindo-se a enorme área metropolitana de Casablanca. É impressionante constatar que o minarete da majestosa Mesquita Hassam II, construída junto ao mar, ao lado do porto desta cidade, é visível mesmo a esta altitude! A nossa rota reentrou sobre terra ainda em Marrocos, algures entre Essaouira e Agadir, permitindo admirar os cumes do Atlas salpicados com neve, e depois todo o esplendor do Sahara. Num par de horas a voar sobre o grande deserto percorrermos o mesmo itinerário que as antigas caravanas de dromedários demoravam cerca de 100 dias a cumprir para estabelecer a ligação entre Guelmin e Tombouctou. Considerada uma das “portas do Sahara”, Guelmin fica cerca de 180 km a sul de Agadir e continua a acolher o maior mercado de dromedários de todo o Sahara. Por sua vez, Tombouctou, é a mais mítica das cidades que nasceram no Sahara, implantada na margem direita do não menos estranho rio Níger, que nasce no meio das areias do Ténéré e serpenteia pelo deserto na sua longa marcha ao encontro do Atlântico, no Golfo da Guiné. Neste dia, da janela do avião consegui ver Tombouctou como raras vezes, mas nem o ter-me imaginado lá em baixo a percorrer as pistas do “deserto dos desertos”, como José Megre tinha por hábito chamar ao Ténéré, me convidou a fechar os olhos. Preferi continuar a desfrutar esta viagem real, que logo a seguir entrou na região do Sahel, a barreira semi-desértica a sul do Sahara. Com quatro horas de voo, o deserto desapareceu e deu lugar a uma mancha cada vez mais carregada de verde e pontilhada por povoações. A África das grandes florestas verdejantes desfilou lá em baixo durante pouco mais de uma hora, até que as nuvens, que nunca tinha surgido enquanto atravessamos o deserto, começaram a dominar a paisagem, na mesma altura em que voltámos a voar por cima do Atlântico. Foi sobre o mar que começámos a aproximação a Luanda, com o dia a desaparecer. Tínhamos voado precisamente sete horas e o comandante anunciara a aterragem quando voltou a contactar os passageiros para nos dar conta de uma mudança de planos, que nos manteve durante meia hora a descrever círculos sobre os arredores da capital angolana. Chegámos num daqueles momentos em que o tráfego aéreo é intenso e tivemos de esperar que o movimento no aeroporto descongestionasse para podermos aterrar. Quando o nosso 747-400 se imobilizou mesmo diante do terminal internacional do Aeroporto de Luanda, e as portas abriram, mesmo que estivesse a dormir — que não estava — creio que teria adivinhado onde estava. Foi só sentir aquele calor húmido a entrar pelo avião para não ter dúvidas. Estava de regresso a Angola.


Levantar voo de Lisboa.


Rodar à direita sobre a Póvoa de Santa Iria.


Por cima do Montijo, com Almada e Lisboa ao fundo.


Sobre as praias da Galé até Sines.


Sair de Portugal por cima de Portimão.


Os tons de azul do Atlântico e do céu intercalados por nuvens.


O sul de Marrocos visto do céu.


Mais de duas horas sobre o Sahara.


As areias do Ténéré. O deserto dos desertos.

quinta-feira, 14 de maio de 2009


Bando de pelicanos na Foz do Rio Cunene com as dunas da Namíbia por trás.

De Luanda à Foz do Cunene
RUMO AO SUL

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Cerca de quatro décadas de guerras e conflitos retiraram Angola da lista dos países visitáveis mas agora que a paz já é uma realidade duradoura, não falta quem tenha enorme vontade de conhecer estas paragens da África Austral. Fomos até lá e ao volante de uma Nissan Pick-Up, percorremos um dos mais belos itinerários angolanos, descendo a costa desde Luanda até à Foz do Cunene.
A acção passou-se na terceira edição do Raid T.T. Kwanza Sul, um evento promovido pelo Governo da Província do Kwanza Sul em conjunto com a Câmara Municipal de Almada, no âmbito dos projectos que têm vindo a ser desenvolvidos pelas duas entidades, desde que o município português estabeleceu uma parceria com esta autoridade provincial angolana. Estreado no final de 2005, este raide começou por descrever uma ronda entre Luanda e a capital do Kwanza Sul — a cidade de Sumbe, antigo Novo Redondo — passando pelo interior, para dois anos mais tarde ter-se realizado uma segunda edição com percurso mais para norte, e sempre pelo interior. A terceira expedição, em 2008, traçou rumo ao sul para levar uma caravana de pick-up’s Nissan até à ponta sudoeste de Angola, onde as águas do rio Cunene se encontram com o Atlântico e desenham a fronteira com a Namíbia. Trata-se de um dos locais mais isolados de Angola e chegar até lá é uma aventura. Quem o consegue, para além dessa satisfação, tem como recompensa apreciar, no caminho, a imensidão do deserto do Namibe, e gozar da enorme tranquilidade da foz do Cunene, onde numerosos bandos de pelicanos e grupos de pescadores disputam o peixe que abunda nestas águas.
Desde Luanda, até lá são quatro dias de viagem, se pretendermos rolar com alguma tranquilidade. A ideia era sairmos da capital pela madrugada, para escapar ao trânsito infernal de Luanda, mas só o tempo perdido a atestar o depósito com gasóleo foi suficiente para obrigar a alterar os planos. De tal modo que acabámos por parar para almoçar na barra do Kwanza, a apenas 60 quilómetros, onde no tempo colonial a estrada que era interrompida, sendo necessário atravessar o rio a bordo de uma barcaça para prosseguir rumo ao sul, até ao Cabo Ledo e à então vila de Porto Amboim. Tardaram décadas a ser completada a construção da ponte projectada ainda nos anos 70 pelo famoso engenheiro Edgar Cardoso, que desde há alguns anos estabeleceu a ligação rodoviária entre as duas margens. Pouco antes desta paragem, tivémos outra, também obrigatória, para apreciar um troço da costa desde o miradouro da Pedra da Lua, onde a erosão desfez a falésia e criou a ilusão de uma paisagem lunar; dentro de alguns anos, talvez não muitos, esta paisagem será apenas uma memória, pois está projectado para este sector entre a falésia e a praia um grande empreendimento turístico e residencial de luxo, que contempla até campos de golfe - conforme anuncia a publicidade de promoção deste empreendimento, a que está ligado o Resort da Barra do Kwanza, onde almoçámos. Cumpridos 366 quilómetros, terminámos a jornada no Sumbe, não sem antes termos visitado a cidade de Porto Amboim e de termos mesmo imaginado a futura Nova Almada, cidade que está a ser projectada nos arredores da primeira e que é mais um reflexo da cooperação com a autarquia almadense.
Lobito e Benguela foram os destinos seguintes, que ocuparam a segunda jornada, bastante mais curta — com apenas 228 km — precisamente para que pudéssemos visitar estas duas cidades. Lobito tornou-se célebre pelo seu enorme porto de mar, enquanto Benguela é famosa pelo caminho de ferro que, no entanto, tem na cidade vizinha o principal centro operacional e o próprio terminal. Curiosamente, dos 1346 km de linha de caminho de ferro, que se estende até à Zâmbia, o único troço onde jamais deixaram de circular comboios é nos 36 km entre Lobito e Benguela. Esta última foi durante longo tempo considerada a segunda cidade angolana, logo a seguir a Luanda, mas agora esse estatuto é disputado por várias outras cidades. E se Benguela terá perdido alguma importância, isso já não é verdade se falarmos das suas belezas, seja as naturais, com destaque para a imensa baía que abraça a cidade, seja para o património construído, onde olhar para os velhos edifícios coloniais ou do estilo moderno que caracterizou os anos 50 a 70, é sempre um encanto. O mesmo tínhamos, aliás, sentido no Lobito, particularmente ao visitar a restinga, onde, tal como no passado, continuam a residir as famílias mais abastadas.
Saindo de Benguela ao terceiro dia, os 405 km para Namibe implicaram um dia inteiro de marcha. Tudo porque mais de metade do percurso foi cumprido por fora da estrada, percorrendo trilhos junto à costa que somente são acessíveis a veículos de todo-o-terreno. Até à Lucira, povoação piscatória onde reencontrámos o alcatrão, as nossas Nissan Pick-Up “levaram uma tareia” e embora tenham resistido aos maus tratos, no dia seguinte sofreram uma revisão sumária antes de partirmos de Namibe — a velha cidade de Moçâmedes — rumo à ponta sul de Angola.
O caminho mais directo é seguir desde Tombwa, a antiga cidade de Porto Alexandre, rumo ao sul pela praia. Foi o que fez metade da caravana do 3º Raid T.T. Kwanza Sul, mas a nós tocou-nos um percurso diverso, atravessando primeiro o Parque Nacional de Iona, para traçarmos uma rota desde o interior até à costa. A foz do Cunene anunciou-se depois de percorrermos intermináveis planícies forradas de capim amarelecido pelo sol, quando começámos a avistar as primeiras dunas e transitámos da savana para o deserto. Para trás tinham ficado há um bom par de horas as colinas e desfiladeiros pedregosos, onde enormes rochas de granito alternam com formações de quartzo que ofuscam os olhos sob a luz intensa do meio-dia e parecem enormes facas afiadas, que se desfazem em lascas quando lhes tocamos. Ia meio da tarde uma jornada que tinha começado manhã bem cedo na reserva privada de Omahua, enorme fazenda que a paixão do seu proprietário fez transformar num santuário de vida selvagem: importou dos países vizinhos dezenas de animais para repovoar a região, tomando a iniciativa de reintroduzir inúmeras espécies cuja importância tinha levado as autoridades, no final de 1964, a alterar a classificação destas paragens do Iona, mudando o estatuto de Reserva de Caça para Parque Natural.
Dos Leões e Zebras que outrora eram presença assídua na área do parque, que abrange 15.150 quilómetros quadrados delimitados a norte e a oeste pelo rio Curoca, a leste pelo rio dos Elefantes, e a sul pelo rio Cunene, não vimos o menor vestígio, mas cruzámos-nos com vários bandos numerosos de Cabras de Leque saltitantes – o nome português dos Springbock que mais a sul, na Namíbia, são aos milhares. Vimos ainda uma manada de Orix, corpulentos e de porte altivo, que se detiveram para nos observar de longe e depois prosseguiram o seu caminho, como que indiferentes à nossa presença. Os olhares mais atentos e mais treinados para distinguir a bicharada no meio do mato – havia alguns dos maiores especialistas desta região no grupo, que se sentiam perfeitamente em casa – tiveram a sorte de detectar a tempo um ou outro Chacal errante, que a maioria nem chegou a ver ou, quando muito, viu a fugir, não entendendo mais do que um movimento rápido no meio do capim, pois a cor do pêlo permite-lhes dissimularem-se com a maior facilidade no mato. Ver estes animais não era o objectivo da expedição, mas sim uma recompensa adicional, porque o importante era mesmo podermos estar ali, a conhecer, ou mesmo reconhecer, no caso de alguns dos nossos companheiros de viagem, estas paragens recônditas do sul de Angola, que muito pouca gente teve oportunidade de alguma vez visitar, pois os acessos não são fáceis e o extremo isolamento desde sempre tornou a viagem bastante ingrata para aventureiros por conta própria.


Luanda


Barra do Kwanza


Trânsito Ponte Barra do Kwanza


Miradouro da Lua


Salinas de Porto Amboim


Porto Amboim-Marginal


Sumbe - Correios


Rio Kikombo. Arredores de Sumbe


Mercado em Sumbe


Jangada com Bananas


Lavadeiras no rio Kikombo, Sumbe


A caminho do sul


Lobito, Avenida


Mãe e filha.


Avó e neto.


Pista do "Paris-Cabo"


Pista Benguela/Namibe 1


Nativos. Deserto Namibe


Namibe. Jardim Centro


Movimento em Namibe


Cine-Teatro, Namibe


Deserto Namibe


Oásis no Deserto de Namibe


Pista de Capim - Parque Iona


Cabras de Leque à Sombra de Acácia - Iona


Montanhas Tchamalinde e manada de Cabras de Leque - Parque N.Iona


Travessia Rio Curoca - Parque N. Iona


O Cunene e as dunas gigantes da Namíbia junto à foz


Pescadores na foz do Cunene


Dunas gigantes até ao mar - Deserto Namibe, Angola


Pista transitável na maré baixa


Traineira encalhada - Deserto Namibe, Angola


Arrastão encalhado na praia-Deserto Namibe, Angola


Tombwa, o antigo Cine de Porto Alexandre


Tombwa - Recuperação de edifícios dos anos 60


Porto Alexandre (Tombwa)


Alexandre Correia com nativos, sul de Angola, 2008