quinta-feira, 31 de dezembro de 2009


O próximo é que vai ser...

ATÉ PARA O ANO!

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Despedirmo-nos com um "até para o ano!" não tem, necessariamente, de ser um sinal de distanciamento. Sobretudo quando o dizemos três horas de virar a última folha do calendário. Para a esmagadora maioria das pessoas, é o momento do ano. É o momento mais esperado do ano. Amanhã é que vai ser! Tudo vai mudar! — tentam convencer-se, quase sempre sem convicção nenhuma. Hoje, quando me despedia dos almoços de 2009 com um esplêndido Cozido à Portuguesa — por incrível, é a maior e melhor sucedida das especialidades de um restaurante angolano que há na rua do meu escritório, secundado por uma feijoada...à brasileira — na dança por entre as travessas do bufete, não consegui deixar de escutar o comentário de uma senhora à sua amiga, bem elucidativo da fé que quase todos temos no futuro: "O que me vale é que este ano está mesmo a terminar" — dizia ela, prosseguindo — "Amanhã começo uma dieta. Estou com os níveis de colestrol altíssimos e tenho de perder cinco quilos. Esta semana é a segunda vez que venho aqui ao Cozido...". Eu só fui uma e não faço dieta nenhuma, mas sei tão bem como ela que enquanto as dietas só começarem amanhã, nunca perderá esses cinco quilos, porque amanhã será sempre isso mesmo: amanhã. Com os anos, não é bem amanhã. É para o ano. Temos um pouco mais de tempo, mais margem de manobra. Podemos vir mais umas vezes ao Cozido e até repetir o prato, carregá-lo com aqueles enchidos tão saborosos quanto venenosos, porque para o ano acabou-se, vamos fazer dieta. Ou vamos trabalhar mais, vamos deixar de mentir — abrindo apenas uma honorável excepção para as situações misericordiosas, porque não há regra sem excepção — vamos deixar de fumar, vamos tornar-nos tão puros como os três pastorinhos de Fátima, que até tinham um cão, um caniche vagabundo, que só há pouco tempo se descobriu que era o célebre e tão enigmático quarto segredo de Fátima. Vamos isso tudo... para o ano. E como tudo isso só vamos fazer para o ano, podemos até aproveitar para adiantar mais algumas promessas, porque não custa nada dizer que para o ano é que vair ser! Programamos para o ano aquela mudança em que tanto pensamos, mas não temos coragem de fazer, prometemos mudar de vida, para o ano. E o sucesso? Para o ano é que vai ser, porque este não valeu nada — desculpamo-nos com tanta frequência. É um alívio saber que haverá sempre um "para o ano". Porque até lá, vale tudo e mais alguma coisa. E nenhuma coisa vale alguma coisa, porque a sério, vai ser para o ano! Mas, claro, todos sabemos que se quisermos realmente fazer dieta, mudar a nossa vida, parar de fumar, acabar de estudar, arranjar outro emprego, não interessa o quê, não podemos esperar até para o ano. Temos de decidir agora. Não para o ano. Mesmo que só faltem três horas para isso acontecer! Mas para isso, temos também de ter coragem e força, muita força. É mais fácil dizer que temos medo, que não temos força. Bem mais fácil...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009


Nem que seja porque é Natal...

É TEMPO DE SORRIR!

[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

Não se sorri por decreto. Tem de se ter motivo para isso! Pode ser porque houve um reencontro feliz, como o de uma família que se volta a juntar para pôr termo a uma ausência, ou simplesmente um encontro inesperado que parecia um sonho nunca acreditado entre um jovem e o seu ídolo da televisão. Pode até ser uma asneira, que nos divertiu ao invés de nos deixar zangados, ou até mesmo uma piada, daquelas em que o difícil é não sorrir. Mas também acontece... É verdade que há momentos em que não é fácil sorrir; são aqueles em que não conseguimos deixar de pensar nas coisas más da vida, e há tantas na vida de tanta gente. De toda a gente. Porém, é precisamente nesses momentos que devemos fazer um esforço para sorrir, nem que seja para trazermos à memória as coisas boas que já nos aconteceram; por muito poucas que tenham sido, não haverá ninguém que nunca tenha tido nada de bom na sua vida. Recuperar essas boas recordações é como que sonhar acordado, mas não só nos livramos de pesadelos, como acabamos por sorrir, mesmo quando já pensamos que nada nos fará sorrir...

É uma família feliz. Podem crer que sim, todos estes sorrisos não se esgotaram no momento da pose para a fotografia!...

Alexandre, um conhecido apresentador da televisão angolana, foi descoberto por um fã, que não resistiu a tirar um retrato. Um sorri satisfeito pela sua popularidade, outro por ter dado um abraço ao seu ídolo, que foi devidamente registado para a posteridade.

De tanto enfiar o chapéu pela cabeça abaixo, acabou por rasgar-se. Mas nem por isso o sorriso se perdeu.

A anedota era boa, mas nem todos temos o mesmo sentido de humor...

domingo, 6 de dezembro de 2009


Um olhar vago, outro tímido
A VELHA E A BEBÉ


[Texto e Foto: Alexandre Correia]

À beira da estrada, uns quilómetros mais abaixo de Sumbe, no mercado improsivado junto da ponte sobre o rio Quicombo, aquela velha que vendia bananas já amarelecidas despertou-me a atenção: estava ali, sentada no chão de terra, como se não houvesse mais ninguém por perto para além dela própria e da sua neta. O olhar vago, que não escondia tristeza, não explicava essa indiferença. Quando me aproximei e perguntei se as bananas eram boas para comer cruas, baixou os olhos e respondeu com um murmúrio tão baixinho que tive de ajoelhar-me também no chão para a conseguir escutar. Disse que não, que eram para cozinhar. A neta, assustada, já se tinha refugiado no colo da velha, escondendo a cara no ombro da avó. A bebé também não tinha um olhar feliz, mas não era triste como o da velha. Nem indiferente. Era apenas tímido, pois denunciou a sua curiosidade ao espreitar-me pelo canto do olho. Mas tal como a velha, quando os meus olhos se cruzaram com os da bebé, ela não resistiu e escondeu-se de novo, encaixando a cara entre o ombro e o pescoço da avó. Para logo a seguir voltar a espreitar sorrateiramente... Só largou a protecção do colo da velha quando eu me afastei. E então voltou a brincar sozinha no chão, enquanto a velha permanecia imóvel, com aquele olhar distante e triste, que eu nunca mais esqueci.