“Venham que o Pai vai fazer uma foto!”...
RETRATO DE UMA FAMÍLIA NUMEROSA
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]
Quando parei a pickup na berma da estrada, não havia ninguém à vista. Diante da casa, com duas portas reforçadas por um gradeamento de ferro, mas apenas uma janela sem qualquer protecção especial, havia apenas uma bicicleta, que repousava assente no descanso sob a roda traseira. Desliguei o motor e abri a janela para fazer uma fotografia à caravana que passava. Eram mais de uma dúzia de pickups, todas iguais, excepto na decoração que ostentavam. Uma a uma, iam mergulhando nas enormes poças que faziam a picada parecer um rio e cada vez que aceleravam, como que para fugir de um provável atoleiro, levantavam uma cortina de água lamacenta. E então, tornavam-se mesmo todas iguais, como se aquela água acastanhada as tivesse pintado.
O ruído a caravana atraíu alguém, que espreitou pela porta aberta e logo desapareceu na escuridão do interior. Instantes depois, voltou. Era um miúdo para aí com uns dez anos. Atrás dele veio outro e se não fosse a ligeira diferença de altura, diria que eram gémeos. Apareceu um terceiro, um pouco mais velho, e logo a seguir veio um adulto. Era o pai deles. Enquanto fotografava as pickups, ficaram ali a olhar-me, seguindo atentamente o que eu fazia, mas sem nada dizer. Quando as viaturas começaram a desaparecer ao longe, desapareceu também esse silêncio. Cumprimentei-os e responderam logo em coro: “Bom dia sim!” Perguntei se eram todos familiares. Disseram que sim. Então, ofereci-me para fazer um retrato à família. Nem precisei de ouvir a resposta para perceber que sim. Bastou ver os sorrisos que se rasgaram.
Agora já não precisava de permanecer resguardado no interior da minha pickup, porque já não corria o risco de ficar todo salpicado de lama. Os outros veículos já tinham desaparecido. Saí e apontei a máquina fotográfica aos quatro. Enquanto lhes fazia um primeiro retrato, o adulto gritou para dentro de casa: “Venham que o Pai vai fazer uma fotografia!”
Ele era o Pai deles, mas o meu cabelo levemente grisalho e a barba prateada fê-lo tratar-me carinhosamente por Pai. Por respeito e por aparentar ser o mais velho. Enquanto não chegava mais ninguém, avisou-me logo que a família dele era grande. Disse-lhe que não devia ser maior que a minha. Garantiu-me que sim, que era, “de certeza”. Deixei-o insistir que tinha uma grande família, convicto de que arrumaria a questão a meu favor quando o esclarecesse quanto à dimensão da minha família. Começam então a chegar algumas crianças. Uma vem com um bébé ao colo e se os alinhasse por alturas, a sua sombra desenhava uma escada. A diferença entre alguns não devia ser mais de um ano, pensei eu. Pela minha avaliação, achei que já tinha ganho e foi a minha vez de abrir o sorriso, antes de dizer-lhe: “Sabe, só irmãos nós somos doze... Metade rapazes, metade raparigas” — acrescentei, com a sensação de os ter impressionado. E ganho, claro.
Mas não ganhei. Continuavam a chegar crianças, que se iam dispondo alinhadas lado a lado, por trás da bicicleta. Quando me parece que estão todos, conto-os e declaro um empate. Empate, aliás, duplo, pois vejo tantos meninos como meninas. O homem sorriu ainda mais. Estava visivelmente divertido. Só nessa altura me respondeu: “Nós também somos catorze, se contar só com os filhos...” — e fez um sinal para trás de si. Então, timidamente, aparece a espreitar por trás dos outros, numa ponta do grupo, mais uma miúda. Tem, talvez, uns cinco anos, carregando também ela um bébé às costas, amarrado a uma capulana, como se andassem a brincar aos pais e às mães. Eram os dois que faltavam. Quando parti, tive a sensação de que estavam mais do que divertidos por terem ganho este braço de ferro. Senti que, acima de tudo, estavam orgulhosos por serem uma família tão grande.
RETRATO DE UMA FAMÍLIA NUMEROSA
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]
Quando parei a pickup na berma da estrada, não havia ninguém à vista. Diante da casa, com duas portas reforçadas por um gradeamento de ferro, mas apenas uma janela sem qualquer protecção especial, havia apenas uma bicicleta, que repousava assente no descanso sob a roda traseira. Desliguei o motor e abri a janela para fazer uma fotografia à caravana que passava. Eram mais de uma dúzia de pickups, todas iguais, excepto na decoração que ostentavam. Uma a uma, iam mergulhando nas enormes poças que faziam a picada parecer um rio e cada vez que aceleravam, como que para fugir de um provável atoleiro, levantavam uma cortina de água lamacenta. E então, tornavam-se mesmo todas iguais, como se aquela água acastanhada as tivesse pintado.
O ruído a caravana atraíu alguém, que espreitou pela porta aberta e logo desapareceu na escuridão do interior. Instantes depois, voltou. Era um miúdo para aí com uns dez anos. Atrás dele veio outro e se não fosse a ligeira diferença de altura, diria que eram gémeos. Apareceu um terceiro, um pouco mais velho, e logo a seguir veio um adulto. Era o pai deles. Enquanto fotografava as pickups, ficaram ali a olhar-me, seguindo atentamente o que eu fazia, mas sem nada dizer. Quando as viaturas começaram a desaparecer ao longe, desapareceu também esse silêncio. Cumprimentei-os e responderam logo em coro: “Bom dia sim!” Perguntei se eram todos familiares. Disseram que sim. Então, ofereci-me para fazer um retrato à família. Nem precisei de ouvir a resposta para perceber que sim. Bastou ver os sorrisos que se rasgaram.
Agora já não precisava de permanecer resguardado no interior da minha pickup, porque já não corria o risco de ficar todo salpicado de lama. Os outros veículos já tinham desaparecido. Saí e apontei a máquina fotográfica aos quatro. Enquanto lhes fazia um primeiro retrato, o adulto gritou para dentro de casa: “Venham que o Pai vai fazer uma fotografia!”
Ele era o Pai deles, mas o meu cabelo levemente grisalho e a barba prateada fê-lo tratar-me carinhosamente por Pai. Por respeito e por aparentar ser o mais velho. Enquanto não chegava mais ninguém, avisou-me logo que a família dele era grande. Disse-lhe que não devia ser maior que a minha. Garantiu-me que sim, que era, “de certeza”. Deixei-o insistir que tinha uma grande família, convicto de que arrumaria a questão a meu favor quando o esclarecesse quanto à dimensão da minha família. Começam então a chegar algumas crianças. Uma vem com um bébé ao colo e se os alinhasse por alturas, a sua sombra desenhava uma escada. A diferença entre alguns não devia ser mais de um ano, pensei eu. Pela minha avaliação, achei que já tinha ganho e foi a minha vez de abrir o sorriso, antes de dizer-lhe: “Sabe, só irmãos nós somos doze... Metade rapazes, metade raparigas” — acrescentei, com a sensação de os ter impressionado. E ganho, claro.
Mas não ganhei. Continuavam a chegar crianças, que se iam dispondo alinhadas lado a lado, por trás da bicicleta. Quando me parece que estão todos, conto-os e declaro um empate. Empate, aliás, duplo, pois vejo tantos meninos como meninas. O homem sorriu ainda mais. Estava visivelmente divertido. Só nessa altura me respondeu: “Nós também somos catorze, se contar só com os filhos...” — e fez um sinal para trás de si. Então, timidamente, aparece a espreitar por trás dos outros, numa ponta do grupo, mais uma miúda. Tem, talvez, uns cinco anos, carregando também ela um bébé às costas, amarrado a uma capulana, como se andassem a brincar aos pais e às mães. Eram os dois que faltavam. Quando parti, tive a sensação de que estavam mais do que divertidos por terem ganho este braço de ferro. Senti que, acima de tudo, estavam orgulhosos por serem uma família tão grande.
Quando parei, ao lado da casa, para fotografar a caravana a passar naquela troço incrivelmente lamacento da picada, não havia ninguém por perto. Apenas uma bicicleta e uma porta aberta. Não tardou a estar diante de uma enorme família. Bem divertida. Ali, respirava-se felicidade!
Não paravam de aparecer crianças, que se iam alinhando ao lado dos pais, por trás de bicicleta. Nesta altura, contei-os todos e declarei um empate. Também somos 12 irmãos — disse-lhes triunfante...
Tinham-me pregado uma partida e estava na hora de divertirem-se com isso. O Pai fez um sinal e por trás do grupo apareceu uma menina com um bébé amarrado às costas. Agora não havia dúvidas e aceitei essa "derrota" com fair-play.
Dezasseis sorrisos. Todos da mesma família. E ainda pensava eu que tinha uma grande família...