quinta-feira, 2 de julho de 2009


Enfrentar os lamaçais da pista N'Zeto/Uíge
TRABALHOS FORÇADOS
NOS LAMAÇAIS DO NORTE DE ANGOLA


[Texto e Fotos: Alexandre Correia]

A quinta etapa do Raid T.T. Kwanza Sul ficará para sempre na memória dos todos os que integraram esta caravana. Previa-se que fosse uma jornada dura, mesmo a mais difícil das 13 que compreenderam esta longa expedição através do norte de Angola. Mas nunca ninguém imaginou que fossem necessários dois dias inteiros e quase outras tantas noites para se alcançar o destino. Tudo porque choveu mais e durante muito mais tempo do que era suposto nesta altura do ano (final de Maio e início de Junho), inundando os caminhos, que nas zonas de vegetação mais densa e fechada tardaram em secar, tornando-se em verdadeiros atoleiros de lama, onde as 18 viaturas desta expedição ficaram presas repetidamente; tantas vezes que se perdeu a conta ao número de atascansos, que mobilizaram esforços contínuos, fazendo com que nos tivessemos sentido em trabalhos forçados. Literalmente!


Volvidos cerca de vinte quilómetros, a excelente pista de terra, larga e de bom piso, tornou-se num estreito corredor entre vegetação cerrada. Nestas condições, os primeiros 90 quilómetros foram cumpridos em meia-dúzia de horas, que desde logo mostraram ser impossível completar todo o itinerário — estimado em menos de 350 km — nas 12 horas previstas. Nesta altura, o pior ainda estava para vir...


Uma a uma, as pickups avançaram cuidadosamente pelos trilhos lamacentos. Muitas acabaram a ser rebocadas, num ritual que se repetiu vezes sem conta durante dois dias plenos de aventura. Foram jornadas desgastantes, mas que ninguém alguma vez esquecerá. Nestes lamaçais perdidos no norte de Angola, senti-me a reviver episódios semelhantes passados tantos anos antes em diversas das expedições do célebre Camel Trophy em que tomei parte: na amazónia, em 1992, foi assim durante dias seguidos, tal como um ano mais tarde nas selvas do sultanado de Sabah, no norte da ilha do Bornéu.


Em cima e abaixo, algumas imagens do troço mais difícil de todo o percurso. Os atascansos foram tantos que numa hora apenas se avançaram 300 metros. A tarde ía a meio e nessa altura faziam-se apostas entre a caravana quanto à hora de chegada ao Uíge. Os mais optimistas arriscavam a meia-noite, enquanto que muitos apostaram que ninguém chegaria antes das três horas da madrugada. Se alguém tivesse previsto essa hora um dia mais tarde, teria ganho, mas ninguém acreditou que o percurso se alongasse por dois dias inteiros e quase duas noites.




Durante longos quilómetros, a pista alternou passagens encharcadas como esta com troços lamacentos e mesmo terreno seco, nos pontos em que a vegetação abria e o sol facilmente secava a água das chuvas tardias que surpreenderam os participantes no 4º Raid T.T. Kanza Sul.


Nos trilhos enlameados e rasgados por sulcos profundos abertos pelo rodado dos camiões, as pickups só conseguiam passar pisando as bermas, mas a mínima escorregadela, tantas vezes tão inevitável quanto incontrolável, resultava num despiste. Felizmente, em tantos incidentes como o que a imagem documenta, só por uma vez não se resolveu ao fim de uns minutos de esforço colectivo. Foi quando o veículo de apoio mecânico, que seguia no fim da caravana, derrapou até tombar sobre um dos lados, imobilizando-se uns metros mais abaixo do trilho, com as rodas no ar. Para o recuperar foram precisos três dias de intenso trabalho e a caravana não esperou. O mais incrível é que a Nissan Patrol PickUp da TDA — o distribuidor da Nissan em Angola — não sofreu quaisquer danos, pois quando se despistou foi amparada pelo mato e acabou assente numa "cama" de vegetação espessa e lama.


O Toyota Land Cruiser da TV Zimbo — dotado de uma antena para transmitir imagens via satélite — foi uma das maiores vítimas das passagens enlameadas deste percurso. A preparação do veículo desta estação de televisão angolana observou inúmeros pormenores, mas ignorou um dos mais importantes quando se trata de rodar em trilhos de terra e estrada mal conservadas ou mesmo sem pavimento: os pneus! "Calçado" com os pneus próprios para estrada com que foi adquirido em Portugal, aventurou-se nos sertões angolanos com muito sacrifício...


Nem todos os atascansos foram penosos de resolver. Houve inúmeras situações em que bastou um empurrão para que as pickups deslizassem sobre a lama até que as rodas voltarem a pisar terreno firme e ganharem tracção para continuar a progressão.


A Nissan Hardbody da revista Todo Terreno tombada para fora da pista. Aconteceu por três vezes no difícil percurso que levou a caravana a demorar 44 horas a percorrer menos de 350 quilómetros desde N'Zeto, na costa do norte de Angola, ao Uíge, capital da província com o mesmo nome, no interior.

8 comentários:

  1. Uma viagem memorável! Quimaria ficará para sempre na nossa memória...

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  2. Alexandre, não tive tempo de ler tudo, mas vi todas as fotos e achei maravilhosas. Principalmente a da cantina Jesus é Maravilhoso. Que viagem legal! Abs!

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  3. Obrigado Mari. Continue a voltar aqui, que não falta leitura nem fotos como as que gostou. Em breve vou colocar mais algumas imagens e histórias desta viagem, mostrando paisagens e o acolhimento fantástico que nos foi dispensado em aldeias perdidas nos confins de Angola.

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  4. Bela aventura... Estou aqui a pensar no que Angola andou para trás na picada do desenvolvimento com a vida acidentada dos últimos 34 anos. Espero que não nos culpem de todos os males como os brasileiros...

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  5. Admiro-te e invejo-te,porque fazer uma viagem destas é o meu sonho , porquê é tanto maravilhosa pelas coisas bonitas,maravilhosas e inacreditáveis que encontram-se no caminho como difícil pelas, dificuldades não somente de acesso mas também outros aspectos que cruzam-se inesperadamente sempre pelo caminho , mais é isso mesmo que faz valer a pena efectuar uma «Odisseia» como esta;da minha parte fico aguardar mais aventuras e desventuras......força

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  6. Olá LLK,

    Não me apercebi antes deste comentário, mas mesmo tarde, não posso deixar de responder e dar conta do agradável que é receber palavras assim tão simpáticas. Quanto ao sonho, há muito aprendi a perseguir e não desistir daqueles de que gosto mesmo. Os outros, chamam-se pesadelos. E nas viagens, há de uns e de outros. Os piores, acredite, são os que metem muitas pessoas!...

    Um beijo,

    Alex

    PS - Mas esta viagem foi deliciosa, como pode ir percebendo se a for acompanhando no blog.

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  7. Bem,ando a visitar o teu blog e realmente estou mesmo fascinada com tanta beleza (tanto de histórias e de beleza natural(fotos). mas eu adorava estar no meio destas fotos conduzir um jipe dentro desse lamaçal e beleza....

    Isabel Miranda

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  8. Olá Isabel,

    Várias destas pickup's foram conduzidas por mulheres e a bem da verdade, devo acrescentar que não foram as mulhares as maiores vítimas dos atoleiros. Desengane-se quem pensar que todo-o-terreno e expedições desta natureza são coisas só para homens de barba rija. Por falar em barba rija, até parece que estou aqui a gabar-me, mas esta barba que uso há 24 anos deve-se a alguma preguiça e habituei-me...

    Beijo,

    Alex

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