Há melhor do que isso?
ROSTOS DE ALEGRIA
[Texto e Fotos: Alexandre Correia]
Tinha saído de Luanda rumo ao interior, tomando a estrada de Catete. A nova circular em redor da capital, bem como alguns atalhos, facilitaram a saída, mas o sol já ia bem alto nesta manhã quando me desviei para uma larga picada e tomei rumo ao Golungo Alto. Foi em Maria Teresa. Do lugar, não guardo sequer recordações, mas o nome nunca esqueci. Lembrou-me logo a minha Mãe, que tinha uma velha amiga chamada Maria Teresa. A minha Mãe morreu sem que alguma vez tivesse visitado África. O meu Pai também. Mas enquanto que a minha Mãe era uma apreciadora da velha cultura francófona europeia e morria de amores por Paris, Lyon — ou não fosse a capital da Cuisine Française de que tanto gostava — Florença e Veneza, tenho a certeza de que o meu Pai teria gostado tanto como eu de conhecer todos os lugares por onde tenho andado. E Angola é um dos países de África que melhor conheço. Entro na picada a pensar neles. E a pensar que nunca lhes contarei esta viagem. Absorvido nestes pensamentos, nem que dei conta dos quilómetros a passar, rolando a bom ritmo nesta estrada de terra, larga e de bom piso, que equipas de trabalhadores chineses preparavam já para receber um tapete de asfalto. Provavelmente, agora já se chega ao Golungo Alto em alcatrão e ainda mais depressa do que neste dia, já lá vai um ano, mais coisa, menos coisa.
Então, depois de sair da estrada de Luanda, só voltei a avistar asfalto quando entrei na rua principal de Golungo Alto. Eram horas de almoço e não havia sequer uma mesa vaga na sala do antigo restaurante da praça central, num recanto do jardim público. Nem precisava. A jornada ainda nem estava a meio e parar para almoçar seria correr o risco de terminá-la pela noite dentro, desperdiçando uma oportunidade preciosa de contemplar estas paisagens, a caminho de terras de Malange.
Contentei-me com uma sanduíche de carne, daquelas que antigamente se serviam nas tascas de província, em que a carne não cabia sequer no pão. Uns anos antes, em Angola esta sanduíche seria um autentico banquete. Mas agora não, essa escassez tão dura e tão longa que acompanhou décadas de guerra já não passa de uma memória, que ninguém quer recordar.
Por isso, desta manhã de viagem, guardo alguns rostos de alegria que me fizeram encostar na berma e conversar. Essas sim, são recordações mais fortes do que a paisagem, até porque nem sempre pude apreciá-la devidamente, pois o trânsito na picada era constante, deixando o caminho submerso numa densa núvem de poeira.
Primeiro, foi uma família, bem africana: uma mulher ainda na casa dos 40, a filha mais velha, com talvez metade de idade, e os três filhos desta, um deles ainda bebé, que dormia amarrado às suas costas com uma capulana colorida, enquanto a Mãe enchia vasilhas de água numa fonte à beira da estrada. Quando perguntei à mais velha se ela é que era a Maria Teresa riu-se tanto que contagiou toda a família. Os dois miúdos, que brincavam na lama, quiseram espreitar a máquina fotográfica e ficaram encantados com a sugestão de lhes fazer uma fotografia. Como quase sempre, o retrato de famíla saíu muito solene, mas eles adoraram!
Mais adiante, junto de uma aldeia, assim que parei fiquei rodeado de crianças. Eram bem alegres e não paravam de correr. Desafiei-as para uma corrida, que registei com a câmara, para eles depois verem. Parecia um filme, comentou uma delas...
Finalmente, mesmo à entrada do Golungo Alto, ao parar para deixar passar a caravana do 5º Raid T.T. Kwanza Sul, rapidamente tinha uma multidão de crianças à minha volta. E assim que viram a máquina, pediram em cor para “filmar”: “Pai, filma eu!” — diziam. E eu filmei. Ou melhor, fotografei, porque era disso que se tratava e não propriamente de fazer um filme, como as máquinas fotográficas de última geração conseguem também fazer. A sessão foi interminável. Mas divertida. Muito mesmo. E todos aqueles rostos alegres ganham vida quando volto a olhar para estas fotografias. O meu Pai teria gostado de vê-las. Para a minha Mãe, arranjava outro motivo de conversa...
Então, depois de sair da estrada de Luanda, só voltei a avistar asfalto quando entrei na rua principal de Golungo Alto. Eram horas de almoço e não havia sequer uma mesa vaga na sala do antigo restaurante da praça central, num recanto do jardim público. Nem precisava. A jornada ainda nem estava a meio e parar para almoçar seria correr o risco de terminá-la pela noite dentro, desperdiçando uma oportunidade preciosa de contemplar estas paisagens, a caminho de terras de Malange.
Contentei-me com uma sanduíche de carne, daquelas que antigamente se serviam nas tascas de província, em que a carne não cabia sequer no pão. Uns anos antes, em Angola esta sanduíche seria um autentico banquete. Mas agora não, essa escassez tão dura e tão longa que acompanhou décadas de guerra já não passa de uma memória, que ninguém quer recordar.
Por isso, desta manhã de viagem, guardo alguns rostos de alegria que me fizeram encostar na berma e conversar. Essas sim, são recordações mais fortes do que a paisagem, até porque nem sempre pude apreciá-la devidamente, pois o trânsito na picada era constante, deixando o caminho submerso numa densa núvem de poeira.
Primeiro, foi uma família, bem africana: uma mulher ainda na casa dos 40, a filha mais velha, com talvez metade de idade, e os três filhos desta, um deles ainda bebé, que dormia amarrado às suas costas com uma capulana colorida, enquanto a Mãe enchia vasilhas de água numa fonte à beira da estrada. Quando perguntei à mais velha se ela é que era a Maria Teresa riu-se tanto que contagiou toda a família. Os dois miúdos, que brincavam na lama, quiseram espreitar a máquina fotográfica e ficaram encantados com a sugestão de lhes fazer uma fotografia. Como quase sempre, o retrato de famíla saíu muito solene, mas eles adoraram!
Mais adiante, junto de uma aldeia, assim que parei fiquei rodeado de crianças. Eram bem alegres e não paravam de correr. Desafiei-as para uma corrida, que registei com a câmara, para eles depois verem. Parecia um filme, comentou uma delas...
Finalmente, mesmo à entrada do Golungo Alto, ao parar para deixar passar a caravana do 5º Raid T.T. Kwanza Sul, rapidamente tinha uma multidão de crianças à minha volta. E assim que viram a máquina, pediram em cor para “filmar”: “Pai, filma eu!” — diziam. E eu filmei. Ou melhor, fotografei, porque era disso que se tratava e não propriamente de fazer um filme, como as máquinas fotográficas de última geração conseguem também fazer. A sessão foi interminável. Mas divertida. Muito mesmo. E todos aqueles rostos alegres ganham vida quando volto a olhar para estas fotografias. O meu Pai teria gostado de vê-las. Para a minha Mãe, arranjava outro motivo de conversa...
É assim mesmo:com cada um, Pai e Mãe, nos identificamos de uma forma e herdamos alguns gostos... bonito relato e lindas fotos! Um beijo, Marina
ResponderEliminarBom dia,
ResponderEliminarGosto da tua escrita, absorvente assim como a paisagem e as pessoas,
um abraço,
Carlos
Caro Carlos,
ResponderEliminarPois fica sabendo que eu também sou apreciador do teu trabalho de investigação sobre os desportos náuticos, nomeadamente em toda a actividade ligada a Lisboa e aos desportos do remo e da vela.
Um grande abraço,
Alexandre
Marina,
ResponderEliminarRealmente, cada um de nós tem a sua sensibilidade e interesses. Nem sempre são conciliáveis. Talvez até por isso, na verdade os meus Pais raramente viajaram juntos; os destinos de cada um estavam, de facto, orientados para rumos diferentes. E a própria vida os levou, a dada altura, por caminhos divergentes.
Beijo,
Alexandre
Olá Alexandre
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras acerca do mestrado. Está feito. Ainda não consegui ir a Angola. A vida nem sempre é como queremos. Continuo a gostar das suas palavras e das suas imagens.
Beijo
Linda
Olá Mestra,
ResponderEliminarClaro que a vida nem sempre corre como queremos. Por isso, o ideal é nunca querermos muito. Embora a ambição seja um estímulo fundamental na vida, por vezes há coisas que perseguimos tanto que enquanto não as conseguimos, temos como que uma sensação de permanente perda. Mas, com certeza que acabará por regressar a Angola.
Obrigado.
Beijo,
Alexandre
Oh Alex já estou lavada em lágrimas. Pela sua escrita que nos transporta de imediato para os lugares que aqui descreve e que eu tão bem conheço.Sinto muito que os seus pais não possam partilhar de tudo isso consigo, porque sei bem o que sente por Angola. Depois de se ir lá perdemos o nosso coração, naqueles trilhos, naqueles sorrisos dos meninos, nas àguas cálidas do Mussulo, nos sons e nos cheiros daquele país inigualável. Parabéns Alex.Bj Elena Sines Fernandes
ResponderEliminarElena,
ResponderEliminarSão lugares lindos, não são? Realmente, acredito que estes textos e estas fotos possam dizer muito a quem também já viu e sentiu aquilo que eu conto. Quanto a Angola, acredite que não tenho a mesma paixão que a Elena ou todas as pessoas que por lá viveram. Eu sempre vivi em Lisboa e hoje quase nem isso, pois viajo tanto para o exterior que começo quase a sentir-me um apátrida. O que a Elena confunde com paixão por Angola corresponde sim a uma grande paixão por África. Embora, claro, goste imenso de Angola, que é um País enorme, com paisagens de cortar a respiração e imensamente variadas de norte a sul, do litoral ao interior, para além de ser povoado por gente agradável e de ter um ambiente seguro, ao contrário do que muita gente quer fazer quer. Aliás, conheço poucos países em África onde nos dias de hoje um branco se sinta tão tranquilo como em Angola! Quem sabe se qualquer dia não volto lá?
Beijo,
Alexandre
PS - Fico sentido pelas suas lágrimas, também elas sentidas. Eu é que fico comovido por saber que tenho leitores como a Elena. Quanto aos meus Pais, não partilhei com eles estas últimas viagens, mas partilhei muitas outras, até porque fui pela primeira vez ao estrangeiro, sozinho, com 14 anos!...
Estou começando a gostar dessa pais.
ResponderEliminarEu gosto muito de viajar.
Vou calcular o custo.
Ver o blog da minha esposa:
www.luzia-poesia.blogspot.com
Que texto delicioso, Alexandre! Adorei as fotos, ajudam a relembrar a parte humana deste país que se perde tão depressa no rebuliço da cidade. Espero que haja mais! :)
ResponderEliminarOlá Humphrey,
ResponderEliminarFaz muito bem em viajar. Eu, assim que puder, também viajarei até ao blog da sua mulher.
Abraço,
Alexandre Correia
Maria Inês,
ResponderEliminarSem querer repetir-me constantemente, digo-lhe que desse ponto de vista, ou seja, do lado humano, neste momento Angola é dos países africanos mais agradáveis para um ocidental. É certo que não passamos despercebidos, mas regra geral somos bem recebidos, pelo menos com sorrisos fáceis, em todo o lado. Luanda, sim, admito que é um caso à parte como, aliás, a generalidade das grandes cidades, africanas ou não.
Beijo,
Alexandre
PS - Há mais sim. Assim que eu puder...
Alex, amado!
ResponderEliminarComo fiquei alegre ao recebê-lo lá no divã e ler suas palavras generosas. Como essas crianças fiquei, assim, com um sorriso solto no rosto. Sabe Alexandre, nunca estive na África, mas tenho muita vontade...inclusive para ver se consigo compreender como, apesar de tanta miséria, doenças e adversidades, conseguem alegria em suas vidas! Você, com certeza, sabe me explicar.
Beijuuss n.a.
Hakuna matata ( Isso é viver. É aprender...
ResponderEliminarAmei ler toda narração e a empolgação das crianças, que diga de passagem em todo o lugar do mundo são alegres, espontâneas e amorosas.
Seus pais em espírito e coração sentiram a sua emoção e alegria por lembrar e querer partilhar com eles esses momentos.
Meu amigo do coração você e suas viagens maravilhosas nos alegram a mente e a vida. Bjs
Olá Regina,
ResponderEliminarSe quer viver essa experiência, de entender como alguém consegue sorrir e sentir-se feliz no meio da maior miséria, não vá a África. Vá sim à Índia! Na Índia conseguirá ter essas sensações, bem fortes, aliás. É importante ter um estômago forte para aguentar algumas coisas e também saber manter algum distanciamento, para não se envolver demasiado; mas como a Regina é psicóloga, para si isso é fácil. Não perca, se surgir a oportunidade, mas digo-lhe já que um dos segredos é eles acreditarem tanto que depois desta vida terão outra. E normalmente confiam que na próxima encarnação serão recompensados pelo sofrimento desta...
Beijo,
Alexandre
Mariza,
ResponderEliminarFico contente por saber que minhas viagens alegram mente e vida dessa família que tenho de conhecer pessoalmente. Faz um ano que não vou no Brasil. Está na hora de voltar. Talvez consiga depois do Verão daqui. Até porque, entretanto, vou para a América Central, fazer mais uma grande reportagem, daquelas que nunca calhou contar neste blog...
Beijo,
Alexandre
Alex, parabéns pelo texto, pelas fotos e pelo blog nota 10!
ResponderEliminarQue Deus te ilumine e continue dando-te sabedoria para escrever mais textos de tuas viagens maravilhosas, proporcionando alegria, edificando o nosso conhecimento.
Olá Tânia,
ResponderEliminarDeixa-me com poucas palavras para agradecer o seu comentário. Mas quero que saiba que realmente me sinto honrado por saber que as minhas histórias são apreciadas e, sobretudo, que proporcionam alegria. Não há maior alegria para quem escreve do que isso. Obrigado por me contar que sentiu essa alegria ao ler o que aqui encontrou.
Beijo,
Alexandre Correia
Olá Alex,
ResponderEliminarSem medidas, é o meu agradecimento por comentar da minha
alegria.
Bjs.